Professor Vladmir Silveira

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Pós-graduação não é dever do sistema de justiça

O Brasil é um país peculiar em vários aspectos, especialmente no que tange ao funcionamento de suas instituições. Frequentemente, observa-se que estas entidades não se preocupam com os objetivos para os quais foram originalmente concebidas. Isto é evidente, por exemplo, nas instituições do sistema de justiça e nas universidades. Com as instituições do sistema de justiça mais complexas do mundo, várias dessas organizações buscam para si atribuições que não lhes são próprias. Daí não ser incomum verificar o poder judiciário desempenhando funções típicas do Ministério Público; a Defensoria Pública executando atribuições que seriam mais apropriadas ao Ministério Público e o Ministério Público desenvolvendo atividades muito características do Poder Judiciário. Noutra ponta, as universidades, que deveriam estar organizadas para formar profissionais altamente qualificados em várias áreas e produzir conhecimentos para os grandes desafios do século 21 em constante interação com a sociedade, também acrescentam suas mazelas com o aumento expressivo da burocracia e isolamento que, muitas vezes, afastam as empresas e outras importantes parceiras, limitando não apenas o acesso como também a própria produção do conhecimento. Neste contexto de disfuncionalidades, as escolas superiores do Ministério Público e da magistratura têm reivindicado desenvolver atividades que são próprias de instituições acadêmicas de pós-graduação, por meio da oferta, por elas próprias de cursos stricto sensu. O que quer dizer que escolas constituídas constitucionalmente e legalmente para capacitar e atualizar os magistrados e membros do Ministério Público, por meio de cursos de natureza profissional, pretendem assumir as vezes de instituições propriamente acadêmicas. Buscam, inclusive, avaliar suas revistas de divulgação dentro dos parâmetros acadêmicos de revistas científicas. Papel das organizações é distorcido No Brasil, observa-se que a essência de cada entidade não é respeitada. Não faltam exemplos em todos os setores. Os atores institucionais fazem questão de distorcer e desmoralizar o papel das organizações. É possível verificar nesse elemento um dos fatores do nosso atraso. Sem instituições que desempenhem adequadamente o seu papel, não se torna possível construir políticas públicas de excelência, uma democracia forte e uma sociedade próspera e engajada, uma vez que as coisas estão sempre fora do lugar. Registra-se esses fatos para debater uma questão que vem atormentando a área de Direito da Capes/MEC, a qual vem sofrendo pressão para reconhecer a possibilidade de escolas superiores das instituições do sistema de justiça poderem oferecer cursos de pós-graduação stricto sensu, inclusive na modalidade acadêmica. O sistema de pós-graduação brasileiro é robusto, mas poderia ser melhor se dispusesse de mais recursos e de uma diretriz mais clara e objetiva do estado brasileiro em relação ao espaço que pretende reservar à ciência brasileira no mundo, a partir do aproveitamento dos nossos melhores potenciais e profissionais talentosos. De qualquer modo, ainda temos no Brasil um razoável sistema de controle da qualidade de pós-graduação stricto sensu, com padrão internacional, desenvolvido e aprimorado no âmbito das universidades e demais instituições de pesquisa, isto é, em locais apropriados para o desenvolvimento da crítica científica e geração de novos conhecimentos. Pós-graduação não é dever do sistema de justiça Escolas superiores das instituições do sistema de justiça por melhor que sejam — e existem muitas de excelência — não foram concebidas para oferecer cursos de pós-graduação stricto sensu, dentro da perspectiva crítica e de produção de conhecimento. Isso acontece simplesmente pelo fato de que tal missão compete às instituições acadêmicas ou de pesquisa, com as quais essas escolas podem fazer parcerias para oferecer cursos aos seus membros, garantindo, com isso, importantes reflexões sobre o real papel das instituições do sistema de justiça que representam. A simples leitura da Constituição já indica que a função das escolas superiores das instituições do sistema de justiça é capacitar os seus operadores para o melhor desempenho de suas tarefas e não para formar pesquisadores. Obviamente, se algum membro do sistema de justiça deseja ser pesquisador, também deverá buscar as instituições universitárias ou de pesquisa para a obtenção dessa qualificação. Desviar-se desse caminho é desvirtuar o real foco do objetivo das escolas superiores, ocupando um espaço que deve ser desenvolvido pelas instituições acadêmicas e de pesquisa, as quais precisam de mais recursos, mas também maior sintonia em relação aos problemas e necessidades dos demais setores de nossa comunidade, de modo a garantir um país mais desenvolvido e soberano, do ponto de vista tecnológico e científico, essencial para uma maior distribuição de renda e qualidade de vida para toda a sociedade brasileira. Paulo Roberto Barbosa Ramos É promotor de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial no Maranhão. Professor Titular do Departamento de Direito da UFMA. Professor Pesquisador do UniCEUMA. Diplomado no Curso de Altos Estudos em Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra. Vladmir Oliveira Silveira Prof. Titular de Direito e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito da UFMS e Prof. de Direito Internacional da PUC-SP. Fonte: Consultor Jurídico

Direito Educacional, Notícias

Crise na pós-graduação: evasão de pesquisadores prejudica ciência nacional

Baixo incentivo financeiro, falta de direitos e má absorção no mercado de trabalho provocam abandono dos programas, o que impacta a produção científica e tecnológica do país Por Júlia Giusti* — As condições de estudo e trabalho de pesquisadores da pós-graduação stricto sensu no Brasil, o que inclui mestrado e doutorado, são precárias e estimulam a evasão. É o que apontam especialistas, que avaliam que os principais fatores que levam ao abandono dos programas são valores insuficientes das bolsas de pesquisa, falta de direitos sociais, como aposentadoria, e má absorção desses profissionais no mercado de trabalho após a conclusão dos cursos. Esse cenário de evasão da pós-graduação gera impactos na produção científica do país, que, segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), é realizada por mestrandos e doutorandos em 90% dos casos. O assunto foi debatido na Comissão de Educação do Senado, em março, a pedido da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que destaca a necessidade de “investimento financeiro, políticas de aprimoramento da pós-graduação e melhores condições de estudos para execução da pesquisa”. Em 2023, as bolsas de mestrado e doutorado da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram reajustadas. Os valores, que estavam congelados desde 2013, sofreram aumento de 40%. Com isso, bolsas de mestrado passaram de R$ 1.500 para R$ 2.100, enquanto as de doutorado subiram de R$ 2.200 para R$ 3.100. O orçamento da Capes em 2023 foi 50% maior do que em 2022. No primeiro ano do atual governo, a agência investiu R$ 5,4 bilhões na pós-graduação e em programas de formação de professores. No ano anterior, os valores totalizaram R$ 3,6 bilhões. Para o presidente do Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação das Instituições de Ensino Superior Brasileiras (Foprop), Charles Santos, os reajustes foram indispensáveis para a valorização das pesquisas, mas são insuficientes para garantir atratividade de novos talentos. “Uma década sem qualquer reajuste de bolsas era uma condição inaceitável e precisava ser urgentemente resolvida sob o risco de a pós-graduação perder boa parte da atração que ainda tinha junto aos graduandos e graduandas no Brasil. Ainda assim, os novos valores não cobrem todas as perdas inflacionárias entre 2013 e 2023, e uma política de reajuste periódico precisa ser considerada”, afirma. Luís Henrique Belém, de 25 anos, é mestrando em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB) desde 2022, pesquisando política social. Tendo as bolsas como única fonte de renda, ele fala que os reajustes não são suficientes para garantir a subsistência dos pesquisadores: “O aumento não cobre o custo de vida que temos nos estados brasileiros, o que impacta de forma drástica nas nossas condições de vida e de trabalho enquanto pesquisadores”. Alexandra Martins, 28 anos, acabou de defender sua tese de doutorado em ecologia na UnB. Ela ingressou na pós-graduação em 2017 para o mestrado e conta que a questão das bolsas pesou mais durante a pandemia: “A pesquisa não pode parar, mas na pandemia, como ia fazer se eu ou alguém da minha família ficasse doente?”. Nesse período, a Capes prorrogou bolsas em até seis meses, mas Alexandra não teve o pedido atendido a tempo e passou dois meses sem receber. “A minha sorte é que morava com a minha mãe, então isso aliviava um pouco, mas quando a gente fica sem a bolsa, é mais difícil para conseguir defender o projeto”. Segundo Denise de Carvalho, presidente da Capes, o interesse em cursar mestrado e doutorado diminuiu nos últimos anos, o que foi motivado pelo baixo valor das bolsas antes dos reajustes e também pelos cortes em ciência e tecnologia entre 2019 e 2022, que chegaram a uma redução de 87%. Com aumento das bolsas e o fim da pandemia de covid-19, porém, o ingresso na pós-graduação voltou a crescer. “Em vez de continuarem estudando, as pessoas entraram no mercado de trabalho menos qualificadas por falta de esperança de que teriam financiamento para continuar os seus estudos”, explica. “Agora, os pesquisadores ingressam com a perspectiva de que podem continuar se qualificando profissionalmente”. Direitos A ausência de direitos sociais de mestrandos e doutorandos é outro fator que desmotiva pesquisadores, que não possuem garantias trabalhistas, como vínculo com a previdência social. O diretor científico do CNPq, Olival Freire, pontua que existe uma “insegurança jurídica” na pós-graduação, pois a legislação brasileira não permite o recurso de contratação para contagem do tempo de contribuição, durante o desenvolvimento da pesquisa, para aposentadoria. “Na melhor das hipóteses, um pós-graduando passa dois anos no mestrado e quatro no doutorado. Daí, ele entrará no mercado de trabalho aos 30 anos, enquanto muitos trabalhadores já estão contribuindo com a Previdência. Então, nosso atual sistema de bolsas atrasa muito a contagem do tempo para a fins de aposentadoria de um pós-graduando”, diz. Para a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG), a seguridade social de estudantes deve ser garantida. Vinicius Soares, presidente da associação, defende uma “cesta de direitos básicos” para os pós-graduandos. Para ele, “nada mais justo do que o próprio Estado brasileiro reconhecer a produção científica como uma condição laboral”, mas as garantias também devem incluir direitos como assistência estudantil e acesso ao restaurante universitário. Caroline Araújo, de 27 anos, começou agora o doutorado em medicina tropical na UnB. Para ela, não possuir plano de carreira é “desesperador, é como jogar seu trabalho no lixo, em relação a uma futura aposentadoria”. Ela também se preocupa com oportunidades no mercado de trabalho: “Eu não sei se vou conseguir um trabalho, o mercado está superfaturado e muitas empresas preferem pagar por mão de obra barata e não qualificada”. Apesar das dificuldades, ela pretende seguir na carreira acadêmica, pois seu sonho é ser pesquisadora. “Cabe a nós lutar por nossos direitos. O governo deve valorizar o nosso trabalho, porque não recebemos o que merecemos e não temos direitos trabalhistas”, afirma. Evasão Um dos principais motivos para evasão na pós-graduação é para ingresso no mercado de trabalho. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), quase 60% dos alunos de graduação de universidades públicas e privadas desistem do curso. Embora não se tenha dados consolidados

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