Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo
Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo Revista Mestrado em Direito Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br Érica Barbosa Joslin ericajoslin@hotmail.com Resumo Este artigo pretende apresentar uma reflexão jurídica sobre a relação entre comércio internacional e meio ambiente, sob a perspectiva do Estado constitucional cooperativo, princípio da solidariedade e o direito ao desenvolvimento sustentável. Sob tal ótica são apresentados os princípios e normas da OMC com destaque para a exceção ambiental ao livre comércio e sua respectiva aceitação como medida justificável de tutela da vida e da saúde de todos. Por fim trazemos à baila o caso da gasolina dos Estados Unidos e dos pneus reformados: Brasil versus UE, justamente por suas implicações no meio ambiente e no direito ao desenvolvimento dos Estados, especialmente considerando as peculiaridades do bloco regional do Cone Sul (Mercosul) em relação aos compromissos econômicos assumidos na OMC. Dentro desta perspectiva, também completaremos nosso objetivo ao abordarmos as relações do Mercosul, intrabloco e com terceiros países. Palavras-chaves: Comércio Internacional; Meio Ambiente; Estado Constitucional Cooperativo; Solidariedade e Desenvolvimento Sustentável. Abstract This article aims at presenting a legal reflection on the relationship between international trade and environment, from the perspective of the Cooperative Constitutional State, solidarity principles and the right to sustainable development. From such a perspective, the principles and rules of the WTO are presented, with emphasis on the environmental exception to free trade and its acceptance as a justifiable measure of life tutelage and health for all. Finally, we bring into view the issues of gasoline in the United States and retread tyres: Brazil vs. EU, precisely because of its implications on the environment and on the right to the development of States, especially considering the peculiarities of the Southern Cone regional bloc in relation to economic commitments made at the WTO. Within this perspective, we will also complete our goal as we address the relationship of Mercosur, intra-bloc and with other countries. Keywords: International Trade, Environment, Cooperative Constitutional State, Solidarity and Sustainable Development Introdução O presente trabalho consiste numa análise reflexiva acerca de um tema extremamente relevante e em voga no momento, qual seja, a relação entre o comércio internacional e a tutela do meio ambiente. Nesse sentido, iniciaremos expondo os objetivos da Organização Mundial do Comércio, assim como procuraremos apontar dentre esses objetivos aqueles que visam a uma harmonização entre comércio e meio ambiente na perspectiva do Estado Constitucional Cooperativo. Da mesma maneira buscaremos apontar os princípios que norteiam a OMC, como o comércio sem discriminação, o acesso a mercados e o tratamento nacional para, enfim, correlacionarmos tais princípios com a importantissima questão da proteção do meio ambiente por intermédio de um desenvolvimento sustentável. Ademais, não nos furtaremos de um estudo mais minucioso sobre as barreiras não-tarifárias ambientais e a caracterização ou não do dumpingecológico diante de casos concretos, escolhidos para facilitarmos uma maior visualização dos temas teóricos Objetivamos ainda estudar a perspectiva integrativa entre comércio internacional e meio ambiente, que se tornou indissociável diante dos chamados direitos humanos de terceira geração (direitos de solidariedade), consistente na racionalização do uso dos meios ambientais em busca do desenvolvimento econômico associado a uma melhor qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Por fim, apresentaremos dois casos levados ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC envolvendo o tema “proteção ao meio ambiente”, quais sejam: (i) Estados Unidos: Normas para gasolina reformulada e convencional e (ii) Proibição do Brasil de importação de pneumáticos reformados provenientes da União Europeia no sistema da OMC, relacionando-os com o tema central deste estudo, com o objetivo de demonstrar a complexidade do tema, bem como a necessidade de uma nova teoria geral do Estado que aproxime especialmente o direito internacional público e o direito constitucional, haja vista os interesses difusos, comunitários e universais, além do atual paradigma de solidariedade internacional, cunhado internacionalmente a partir da criação da organização das Nações Unidas e a consequente Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. 1. Histórico Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), líderes das então potências mundiais, se reuniram em Bretton Woods a fim de encontrarem uma solução para a difícil situação do pós-guerra. Neste encontro se criou o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), instituições econômicas voltadas para a reconstrução das nações devastadas pela guerra. Mais tarde, em 1947, foi celebrado também o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), cujo objetivo era a retomada do crescimento econômico mundial pela liberalização do comércio, principalmente por meio da redução de tarifas alfandegárias. O GATT, precursor da OMC, foi desenvolvido em rodadas de negociações, sendo que a primeira foi a Rodada Genebra (1947). Da primeira à quinta rodada, também em Genebra (1960-1961), o tema tratado foi basicamente a redução tarifária. Por sua vez, na sexta rodada (Rodada Kennedy, 1964-1967) além do tema recorrente, foram discutidos outros, como as medidas antidumping. Já a sétima rodada (Rodada Tóquio, 1973-1979) teve como novidade as medidas não-tarifárias e os acordos de base, ou seja, as medidas de liberalização do comércio internacional pautadas no princípio da não-discriminação e concretizadas pelos instrumentos do acesso a mercados, cláusula da nação mais favorecida, e tratamento nacional, conforme veremos mais adiante. A oitava rodada (Rodada Uruguai, 1986-1994), apresentou-se como multitemática, abordando uma série de questões do comércio internacional, tais como, (i) a redução tarifária, (ii) as medidas não-tarifárias, (iii) os serviços, (iv) a propriedade intelectual, (vi) a resolução de disputas, (vii) os têxteis, (viii) a agricultura, e (ix) a criação da OMC [01]. A Rodada Uruguai representou a mais ampla negociação comercial até então conhecida no âmbito do GATT-47, envolvendo 123 (cento e vinte e três) países e quase todos os aspetos do comércio mundial de bens, serviços e propriedadeintelectual; além da fundamental criação de uma organização internacional que abrangesse todos esses temas, qual seja, a OMC (Organização Mundial do Comércio). Todos os países contratantes do GATT-47 puderam fazer parte da OMC como membros originários no dia de sua entrada em vigor, isto é, em 1º de janeiro de 1995. Observe-se, todavia, que esse dispositivo também se aplica à Comunidade Europeia embora ela não fosse, na época, parte