Professor Vladmir Silveira

Direitos Humanos

1ª mulher negra para Suprema Corte
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Biden indica Ketanji Brown Jackson, 1ª mulher negra para Suprema Corte

O presidente dos EUA disse que a indicada é “uma das mentes mais brilhantes” da nação. Nesta sexta-feira, 25, o presidente dos EUA, Joe Biden, indicou Ketanji Brown Jackson, a 1ª mulher negra para a Suprema Corte americana. “Tenho orgulho de anunciar que estou nomeando a juíza Ketanji Brown Jackson para servir na Suprema Corte. Atualmente servindo no Tribunal de Apelações dos EUA para o Circuito de D.C., ela é uma das mentes jurídicas mais brilhantes de nossa nação e será uma juíza excepcional”, postou Biden no Twitter. De acordo com a Casa Branca, desde que Stephen Breyer anunciou sua aposentadoria, o presidente dos EUA “conduziu um processo rigoroso para identificar seu substituto”. “Biden procurou um candidato com credenciais excepcionais, caráter incontestável e dedicação inabalável ao estado de direito. E o presidente procurou um indivíduo comprometido com a igualdade de justiça perante a lei e que entende o profundo impacto que as decisões da Suprema Corte têm na vida do povo americano.” Segundo o comunicado, é por isso que Biden nomeou Ketanji Brown Jackson, a quem classifica como “uma das mentes jurídicas mais brilhantes” da nação. Sobre Ketanji Brown Jackson Jackson nasceu em Washington, DC e cresceu em Miami, Flórida. Seus pais frequentaram escolas primárias segregadas, depois frequentaram faculdades e universidades historicamente negras. Ambos começaram suas carreiras como professores de escolas públicas e se tornaram líderes e administradores no Sistema de Escolas Públicas de Miami-Dade. Quando a juíza estava na pré-escola, seu pai frequentou a faculdade de Direito. Em uma palestra de 2017, Jackson disse que seu amor pela lei surgiu ao sentar-se ao lado de seu pai enquanto ele fazia tarefas da universidade. Ketanji destacou-se como uma grande realizadora ao longo de sua infância. Ela era uma estrela do discurso e do debate que foi eleita “prefeita” da Palmetto Junior High e presidente do corpo estudantil da Miami Palmetto Senior High School. Mas, como muitas mulheres negras, a juíza ainda enfrentou opositores. Quando Jackson disse a sua orientadora do ensino médio que queria estudar em Harvard, a orientadora a advertiu que não deveria colocar suas “expectativas tão altas”. Isso não impediu Jackson. Ela se formou na Universidade de Harvard, depois frequentou a Harvard Law School, onde se formou e foi editora da Harvard Law Review. A juíza mora com seu marido, Patrick, e suas duas filhas, em Washington, DC. Fonte: Migalhas

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O tribunal penal internacional e a garantia dos direitos humanos

O tribunal penal internacional e a garantia dos direitos humanos Revista Diálogos & Debates  – Setembro 2006 Por Vladmir Silveira   Ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, a emenda constitucional 45/2004 trouxe importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos. Recentemente – ou seja, no dia 17 de agosto de 2006 –, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Governo Brasileiro pela morte violenta do paciente Damião Ximenes Lopes, de 30 anos, internado em hospital psiquiátrico privado na cidade de Sobral, Ceará, declarando na sentença condenatória: “(…) a responsabilidade internacional (do Estado brasileiro) por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, (…)”. A sentença afirma e conclui, explicitamente, que o Brasil violou sua obrigação internacional – assumida livre e soberanamente perante a comunidade internacional – de respeitar e garantir os direitos humanos, tendo em vista o reconhecimento da violação do direito à integridade pessoal de Damião, além dos direitos às garantias e à proteção judicial a que seus familiares têm direito (no decorrer do texto da referida sentença, a Corte Interamericana conclui “que o Estado não proporcionou aos familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso à justiça, à determinação da verdade dos fatos, à investigação, identificação, o processo e (…) a punição dos responsáveis pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial”). Um marco pelo direito Esta decisão que entra para história como a primeira condenação internacional do Estado Brasileiro, no âmbito da OEA, aparentemente com um conteúdo negativo, é o resultado positivo de uma luta constante e árdua no âmbito da efetividade dos direitos humanos. Com efeito, a lamentável morte de Damião Ximenes Lopes serve como manifesto e exemplo da consciência internacional – e também regional – no sentido da proteção à dignidade da pessoa humana. As barbaridades (e entre elas podemos hoje citar os crimes de genocídios, contra a humanidade, de guerra e contra a administração da Justiça) praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas, que se sucederam desde o princípio da Idade Moderna até os dias de hoje, e a justiça estatal, realmente com a venda nos olhos, frustraram os desejos da comunidade internacional pelo primado e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Desse modo, durante muito tempo, as vítimas desses crimes e o povo em geral se viram desprotegidos da tutela dos seus direitos humanos, à medida que não tinham a quem recorrer, restando- lhes apenas a aceitação dos fatos, ou na melhor das hipóteses à esperança de se fazer justiça com um poder acima do estatal (a corrente do Jusnaturalismo correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência. Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos. Com efeito, a reiteração de experiências aterrorizantes, como a morte de Damião Ximenes Lopes, levaram a humanidade a lutar pela criação de tribunais de caráter permanente e com jurisdição universal, tendo em vista a dificuldade de efetividade das normas de direitos humanos, haja vista a necessária superação de dogmas, como a cláusula de jurisdição doméstica, a inimputabilidade dos agentes estatais e a parcialidade dos tribunais ad hoc.. (Os tribunais ad hoc foram sempre criticados, tendo em vista que representam os tribunais dos vencedores, haja vista que são vinculados ao Conselho de Segurança da ONU). Assim, até o término da Segunda Guerra Mundial pouco se fez no plano internacional por absoluta falta de meios legais e institucionais para coibir genocídios, massacres, assassinatos, torturas, mutilações e outras ofensas graves aos direitos humanos praticados em grande escala. No plano doméstico brasileiro, esse processo de institucionalização e garantia dos direitos humanos culminou com a emenda constitucional nº 45/2004, que se mantendo fiel ao espírito da nossa Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço na efetividade dos direitos humanos ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, em seu artigo 5º § 4º. Neste sentido, pode-se dizer que trouxe uma importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos. Proteção dos direitos essenciais do homem Note-se, que a referida emenda criou uma jurisdição internacional dentro do ordenamento jurídico pátrio ao reconhecer, constitucionalmente, a submissão do Brasil à jurisdição de “Tribunal Penal Internacional”, a cuja criação tenha manifestado adesão. Portanto, a Corte Interamericana de Direito Humanos que não é citada expressamente no rol do art. 92 da Constituição Federal, mas sim em razão da combinação desse novo dispositivo e do original § 2º do art. 5º da mesma Constituição Federal (Art. 5º, parágrafo 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), a partir de então, ampliou a lista de Tribunais – órgãos do Poder Judiciário Brasileiro –, à medida que criou novo instrumental de afirmação não só da existência, como também de eficácia das normas constitucionais, além do II do art. 4º da CF, que nos brindou com a prevalência dos direitos humanos. Por oportuno, importante lembrar, que originalmente o art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Brasileira em vigor, já preceituava que “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Assim sendo, pode-se concluir que o Ordenamento Brasileiro, com a aludida modificação constitucional, ampliou o reconhecimento de jurisdição penal, trazendo importantes conseqüências como a nova espécie de jurisdição penal internacional, que passará a combater novos tipos penais com grande eficácia. Com efeito, pode-se dizer que a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 o princípio lógico, ontológico e deontológico da vida passa a ser realmente protegido por nosso ordenamento (conferir VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria General de las Articulaciones Constitucionales. Madrid: Dykinson, 1940, pág. 44). Importante ressaltar que a aludida disposição constitucional é impactante, pois permite que se questione às responsabilidades jurídicas e políticas dos representantes dos cidadãos em nosso país, de nosso Direito e do nosso sistema democrático perante a comunidade internacional. Frise- se que a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem como missão a promoção da democracia e defesa dos direitos humanos, mediante a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Nesse sentido, saliente-se ainda que esse tratado regional é obrigatório para os Estados que o ratificaram, sendo também o desfecho final de um processo que se iniciou no final da Segunda Guerra Mundial, quando as nações da América se reuniram

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico
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A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico Revista da APG/ PUC-SP – Ano XIV – Número 34 – 2008   Autores: Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br   Livia Gaigher Bósio Campello liviagaigher@yahoo.com RESUMO A Constituição Federal de 1988, quando estabeleceu, no caput do artigo 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, instituiu uma ordem econômica de caráter essencialmente finalístico. Nesse contexto, coube o exame, à luz do Direito Econômico, da crescente problemática em torno da exceção prescrita à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, especificamente na hipótese de obrigação decorrente da fiança concedida em contrato de locação, confrontando-a com o direito fundamental à moradia, que possui valor constitucional, a partir da sua positivação por meio da Emenda Constitucional n. 26/2000. Palavras-chaves: ordem econômica; dignidade da pessoa humana; bem de família; direito à moradia. ABSTRACT The Federal Constitution of 1988, when established, in the caput of Article 170, that “the economic order, based on exploitation of labour and free initiative, aims to ensure a dignified existence all, as the dictates of social justice”, imposed an order finalístico essentially economic in nature. This circumstance arises as a primary function of the state – implement rights – especially those who identify with the very expression of human dignity. Thus, had the analysis of the exception provided for the general rule of impenhorabilidade good of the family, specifically in the event that obligation granted bail in the contract of lease, confronting it with the fundamental right to housing, which has constitutional value from the his positivação through Constitutional Amendment No 26/2000. Keywords: economic order; dignity of the human person, and the family; right to housing. INTRODUÇÃO Ao relacionar, ainda que de maneira sucinta, as razões pelas quais alguns Ministros divergem da hipótese prevista de penhorabilidade do bem de família do fiador, conferindo primazia ao direito social à moradia consagrado no artigo 6° da CRFB/88, descortinam-se incertezas que envolvem a questão e acarretam uma imensa dificuldade em conformar-se com o posicionamento majoritário do STF, ou admitir-se a solução como definitiva para a controvérsia. Logo, é oportuno demonstrar que ao direito à moradia e à impenhorabilidade do bem de família, em seu sentido mais amplo, acresce-se a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na ordem econômica, e que todo este complexo pode ser idealizado à luz do novo Direito Econômico. Nas próximas linhas procurar-se-á contextualizar o tema ao seu pano de fundo, que é a evolução das relações sociais que, por sua vez, já ocasionou o abandono da perspectiva liberal do direito para o necessário dirigismo estatal, principalmente da área econômica ( [01]). Partindo da mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, aliado ao ideário de normatizações mais recentes, como o Código de Defesa do Consumidor e, fundamentalmente, a Constituição Federal de 1988, será analisado o tema da (im)penhorabilidade do bem de família. Assim, cumpre inicialmente observar que a ordem econômica brasileira, de acordo com o caput do artigo 170 da CRFB/88 é uma ordem que prevê seu fundamento na compatibilização da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano. Portanto, determina a humanização do capitalismo, isto é, a introdução de elementos humanizantes na lógica capitalista de produção ( [02]). Além disso, ainda com base no mesmo dispositivo, verifica-se que nossa ordem econômica é finalística e inclusiva, ou seja, tem por fim assegurar a todos existência digna. Enfim, o citado mandamento constitucional também estabelece os critérios para a determinação deste objetivo da ordem econômica. Nesse sentido, aponta para os ditames da justiça social, elencando nove princípios a serem observados. Desse modo, este texto procurará debater mais o paradigma do que o próprio tema em si, buscando situar em qual perspectiva se apresentam os argumentos, bem como as posições amplamente difundidas e recorrentes sobre a (im) penhorabilidade do bem de família do fiador, após a alteração constitucional que ampliou o rol de direitos fundamentais brasileiros, com o acréscimo do direito à moradia. 1. O SURGIMENTO DO DIREITO ECONÔMICO Com o processo de globalização, a ciência do direito vem se ligando cada vez mais aos fatos que dizem respeito à economia, haja vista os numerosos fenômenos neste campo do conhecimento humano, que refletem diretamente no próprio direito positivo. Da necessidade de tutelar tais fenômenos, surge o ramo do Direito Econômico, que une o Direito Público e Privado, numa perspectiva moderna de análise do direito. Ao nos debruçarmos sobre o Direito Econômico, preliminarmente há que se referir ao processo de mundialização ( [03]), que, do mesmo modo que derrubou fronteiras comerciais e trouxe evidentes benefícios aos consumidores, também gerou crises e duas guerras mundiais ( [04]). Após o fim da primeira guerra mundial e principalmente ao final da segunda, os Estados não mais podiam permitir que a crença na ordem natural da economia (mercado) dirigisse os fenômenos econômicos, como queriam os liberais. Com o fim da primeira luta armada, surgiram dois diplomas constitucionais que, por seu conteúdo social, são tidos como sinais do constitucionalismo social, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Essas Constituições trouxeram as primeiras respostas às exigências de um novo ordenamento jurídico capaz de atender às mudanças sociais e econômicas. Outros movimentos contribuíram para a superação do direito tradicional (individual), como a Revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola, ascensão dos regimes nazi-fascistas e a crise da bolsa de Nova Iorque. Mas foi a partir da Carta de Weimar, constituída no período entre guerras, que a grande maioria das Constituições incorporou no seu conteúdo tradicional uma seção relativa à ordem econômica. Com efeito, costuma-se dizer que o Direito Econômico surgiu no século XX, cronologicamente com a Constituição mexicana e, historicamente, com a Constituição de Weimar. Entretanto, não há como desprezar outros aspectos que influenciaram o seu nascimento desde o final do século XIX, como: i) o processo de concentração de capital; ii) a necessidade de expansão econômica; iii) a conseqüente disputa por mercados. Visto por outro ângulo, frente

Gestão da força de trabalho entre os Entes Federativos da Administração Pública
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Humanismo jurídico e direito ao patrimônio cultural

Revista Diálogos & Debates  Folclore, cultos religiosos tradicionais, culinária típica, cantos e danças são protegidos juridicamente. Se perdermos os valores culturais expressos em nosso patrimônio diminuiremos nossa própria essência brasileira. Por Vladmir Oliveira da Silveira e María M . Rocasolano   Dentro do estudo do Direito, como em todas as ciências, aparecem temas que podemos denomina atrativos, seja por sua novidade ou por causa do seu conteúdo. No âmbito jurídico, a problemática e repercussão do patrimônio cultural possui essa característica. O professor mexicano Raúl Ávila Ortiz o define como “O ramo dos direitos culturais que regula a investigação, proteção, conservação, restauração, recuperação e os usos dos bens culturais móveis e imóveis valiosos e os espaços em que se encontram, assim como os objetos singulares criados e legados historicamente pela sociedade através de sua evolução no tempo”. Catalogado como um dos direitos de terceira geração, atualmente a discussão está bem acesa, tanto no que diz respeito ao seu alcance multidisciplinar como também na abrangência do seu significado, intimamente vinculado com a própria definição da cultura, sendo tudo o que caracteriza a sociedade humana – o que identifica um povo pelo modo de ser, viver, pensar e falar. Por isso é necessário que, desde o início de nossas reflexões, deixemos claro que as manifestações e visões da condição humana são complexas e comportam múltiplas interpretações. Além disso, convém destacar a influência do humanismo jurídico sobre o patrimônio cultural material e imaterial, o que abre um universo onde a humanidade se expressa da forma mais autêntica e real, qual seja, a cultura adapta as condições da existência, transformando a realidade histórica do homem. A construção do significado de patrimônio cultural Tradicionalmente, os termos bens culturais e patrimônio cultural foram utilizados indistintamente, no âmbito internacional, o que não significa que sejam sinônimos nem equivalentes. A primeira vez em que se empregou o termo bens culturais foi na Convenção da Haia de 1954, para se referir à sua proteção, em caso de conflito armado. Na Convenção da Unesco de 1970 foram definidas as medidas que devem ser adaptadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas de bens culturais. Dois anos mais tarde, o significado e alcance do patrimônio cultural foram definidos na Convenção de 1972 sobre a proteção do patrimônio mundial natural e cultural. Com efeito, foi considerado um bem precioso para a humanidade (a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural foi aprovada pela Conferência Geral da Unesco, em Paris, em 16 de novembro de 1972; o Brasil aderiu e ela pelo decreto 80.978, de 12/12/1977). Novamente, no âmbito dos conflitos armados, no ano 1999 adotou-se uma série de medidas no segundo Protocolo da Convenção de Haia para a proteção dos bens culturais, com aplicação tanto em conflitos armados internacionais como domésticos. Desse modo, com o desenvolvimento do conteúdo do patrimônio cultural e com a idéia de protegê-lo integralmente, surgiu em 2001 a Convenção da Unesco para a proteção do patrimônio cultural subaquático. Mais recentemente, preocupados na concretização do patrimônio imaterial, foi elaborada outra convenção para salvaguardar o patrimônio cultural imaterial e a Declaração relativa à destruição intencional do patrimônio cultural, ambas de 17 de outubro de 2003. Seguindo a advertência inicial e objetivando diferenciar significados em prol da segurança jurídica, assim como uma interpretação mais adequada, esclarecemos que o conceito de patrimônio cultural é mais amplo que o de bem cultural, pois se refere a uma “forma de herança que deve ser protegida e entregue às gerações futuras”, como ensina Janet Blake, razão pela qual nos referimos a patrimônio e não a bens culturais neste artigo. (São muitos os autores que tratam deste tema. Destacamos: Lyndel Prott e Patrick J. O’Keefe, “Cultural heritage or cultural property?”, International Journal of Cultural Property, vol. 1, 1992, pág. 307; Roger O’Keefe, “The meaning of ‘cultural property’ under the 1954 Hague Convention”, Netherlands International Law Review, vol. XLVI, 1999, pág. 26; Janet Blake, “On defining the cultural heritage”, International and Comparative Law Quarterly, vol. 49, 2000, pág. 61; e Vieira Loureiro, “A proteção internacional dos bens culturais: uma nova perspectiva”, Revista dos Tribunais, 1995, que se refere à Convenção Unidroit, pág. 364). Os diversos tratados e convenções mencionados representam um passo importante na difícil tarefa de concretizar o significado do patrimônio cultural, que, como muitos dos chamados direitos de terceira geração, apresentam dificuldades na sua definição, por serem conceitos jurídicos indeterminados. Sendo assim, a missão de estabelecer conteúdos claros e precisos dos aspectos tangíveis e intangíveis torna-se fundamental, na medida em que esse ato esclarecerá as dúvidas acerca da proteção jurídica do patrimônio cultural e da sua relação com os direitos humanos. Mas não se pode esquecer que embora se trate de um conceito complexo e indeterminado a sua exigência é necessária, pois se refere a um determinado direito humano. Certamente, é um desafio de nosso tempo conjugar expressões culturais com categorias jurídicas e requisitos normativos que tragam efetividade aos direitos humanos. No diálogo jurídico-cultural surge, necessariamente, a seguinte pergunta: como devemos proteger as manifestações culturais que pertençam a todos? Como deve proceder o legislador quando a cultura de um país é, na verdade, uma mescla de culturas que convivem com outras? E, acima de tudo, como entender o patrimônio cultural dentro da globalização, no marco internacional dos direitos humanos? Patrimônio cultural à luz do humanismo jurídico As dificuldades apresentadas acima devem ser analisadas a partir do humanismo jurídico que, tendo por fundamento o homem, seus limites e interesses, mostra-se a perspectiva mais coerente para entender as manifestações humanas, que compreendem não somente as obras dos artistas, como também as criações anônimas surgidas da alma popular e do conjunto de valores que dão sentido à vida. Assim, por intermédio do humanismo pode-se abordar o conteúdo, alcance e garantia do patrimônio cultural da humanidade, superando os obstáculos que impedem uma sociedade mais humana e mais justa. Partindo do humanismo jurídico, cujo símbolo máximo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, referência central na construção de um paradigma para a humanização do direito por denotar a vontade geral da humanidade, baseada numa ética sólida, calçada nos valores humanos, acredita-se na capacidade e no espírito de superação do homem dentro da razão e do livre-pensamento. Por isso, considera-se essencial à preservação cultural a conservação dos princípios morais, éticos e, sobretudo, da existência digna do ser humano, enquanto único e insubstituível, dotado de razão, liberdade e vontade. Jacques Maritain, valendo-se da poderosa máxima “homo sum, humani nihil a me alienum puto”, lembra que o humanismo é toda postura cultural que visa promover a devolução do ser humano ao que é verdadeiramente humano e ao seu potencial de enriquecimento da natureza e da história. Palavras que no contexto do patrimônio cultural adquirem força expressiva e impulsionam o perfil cultural e humanista do Direito. Esse caráter adjetiva a ciência jurídica

A Decisão do STF na ADPF 153 (Lei de Anistia)
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A Cidadania Regional Americana e o Ordenamento Jurídico

A Cidadania Regional Americana e o Ordenamento Jurídico A tríade cidadania, direitos humanos fundamentais e dignidade humana representa o mínimo para que esse discurso passe a ser uma realidade concreta no mundo Revista Diálogos & Debates Por: Vladmir Oliveira da Silveira e Vanessa Toqueiro Ripari Dada a importância e a confluência entre globalização e cidadania hoje, principalmente coma ampliação da tutela dos direitos humanos fundamentais, resgataremos neste artigo o significado inicial, elucidando algumas mudanças que os conceitos de Estado e de cidadania vêm sofrendo conjuntamente a partir do alargamento e alcance atual dos direitos humanos. Analisaremos ainda a problemática da aceitação da soberania compartilhada por meio do Estado Constitucional Cooperativo para a efetiva compreensão e reflexão deste novo momento histórico, que por sua vez requer uma ação coordenada e solidária. Como reflexo do atual paradigma, emerge o conceito de cidadania pluritutelada, reconhecendo-se verdadeiramente a plena efetivação, a concretização e, acima de tudo, seu alcance universal, que Hannah Arendt resumiu como “o direito a ter direitos”. Sejam nacionais (fundamentais-estatais), regionais (comunitários-humanos) e universais (globais-humanos).   O ESTADO-NAÇÃO E A  CIDADANIA O período conhecido como Idade Média, em que predominou o sistema feudal, caracterizava-se politicamente pela fragmentação do podei de governo em diversos feudos e ficou marcado por lutas contra os abusos do poder instaurado. Marcelo Neves, no livro Trans constitucionalismo (São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2009), explica essa relação hierárquica ao discorrer sobre a formação social pré-modema: “Como a sociedade se confundia com a própria organização política territorial, a distinção inclusão/exclusão identificava-se com a diferença membro/ não membro. O conceito de pessoa, associado à semântica moderna da individualidade, não estava presente, uma vez que não se distinguia claramente entre homem e sociedade-organização. Não havia limitações jurídico-positivas relevantes ao soberano no exercício do jus-imperium, ou seja. Limitações normativas estabelecidas e impostas por outros homens à sua ação coercitiva. Nesse contexto, pode-se falar de uma subordinação do direito ao poder. A subordinação do jurídico ao político, em uma  formação social na qual o poder está no centro da sociedade, leva a uma relação assimétrica entre o poder superior e o poder inferior ou entre o soberano e os súditos”. Com efeito, a ideia de cidadania era limitada, pois os senhores feudais exerciam o poder em seus territórios de forma quase ilimitada, numa relação de  suserania e vassalagem em que mesmo os servos obedientes não podiam participar dos destinos do feudo. Mas aos poucos a Europa presenciou o processo político de centralização e absolutização do poder na direção do Estado Moderno absolutista, autoritário e concentrado em regra,nas mãos de uma única pessoa- o  rei, que  titularizou o poder absoluto sobre o Estado. Em decorrência, o povo era desprovido de participação política, não cabendo falar, portanto, em cidadania no sentido moderno do termo. Iniciou-se assim uma nova época (a Idade Moderna) e os Estados se formaram em,  consequência da união de dois atores: o rei e a burguesia. O longo período entre o século XVI e o século  XVIII foi marcado por importantes movimentos filosóficos, sociais e jurídicos, permitindo o surgimento de um novo tipo de Estado: o Estado-Nação, inicialmente na versão-de Estado de Direito. O Estado de Direito irá se desenvolvendo, a partir dessa versão inicial, aliado ao processo dinamogênico, que fará com que ele passe à ser um Estado Social de Direito e, finalmente, um Estado Social democrático de Direito. O Estado Nação, convém observar, decorreu do conceito de Estado da Razão, fruto do Iluminismo. O intuito de individualizar cada grupo com uma cultura, língua própria, costumes também adveio dessa noção de Estado. Estabeleceu-se a ideia de que a pertença do indivíduo atal estrutura lhe confere segurança, aceitação e referência civilizacional. Sendo assim, pode-se dizer que o Estado-Nação se afirmar por meio de uma ideologia e por um aparato jurídico próprios, capazes de impor uma soberania sobre um povo num dado território, com moeda única e exército nacional. A principal característica do Estado de Direito é justamente a de que todos têm direitos iguais perante a Constituição. Percebe-se, assim, uma notável mudança no conceito de cidadania. Por um lado trata-se do mais avançado processo democrático que a humanidade já conheceu; por outro, tal processo implicou a exploração e dominação do capital, ao mesmo tempo que tornou a cidadania um conceito individualizado que alcança apenas o Estado Constitucional Nacional. Norberto Bobbio, ao discorrer no livro A Era dos Direitos sobre o significado filosófico-histórico de inversão, característico da formação do Estado moderno e que ocorreu na relação entre Estado e cidadãos, conclui que: “Passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente pelo ângulo do soberano, e sim pelo do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional”. Pode-se dizer que ocorreu a ampliação dos direitos na passagem do homem abstrato ao homem concreto, por meio de um processo de reconhecimento de direitos e de proteção ao indivíduo, agora cidadão. A cidadania “fechada”, de origem grega, evoluiu para uma cidadania aberta ou compartilhada, não apenas para novos indivíduos, mas também para novos direitos. Exatamente por isso, ao analisar a condição dos apátridas nos regimes totalitários que antecederam a Segunda Guerra Mundial, Hannah Arendt afirmava (no livro Origens do Totalitarismo) que a real cidadania que devemos buscar deve ser fundada na proteção universal, sem determinar raça, cor ou sexo: “A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade perante a lei ou da liberdade de opinião (…) mas do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas de não existirem mais leis para eles”. Ao analisar o papel do Estado na atualidade, emerge a necessidade da construção de uma via que afirme a globalização sem relegar o ser humano ao papel de mero ingrediente do regime econômico e dependente da tutela exclusiva do Estado. As atuais relações internacionais não mais permitem estruturas estanques de Estados fechados, desconectadas dos valores compartilhados pela comunidade internacional, como ocorria na época do Estado Constitucional Nacional. O paradigma dos direitos de solidariedade demanda um Estado “aberto” à cidadania. Assim, essa nova cidadania pela qual se clama também não pode ser alcançada nos moldes do tradicional Estado nacional homogeneizante, dominador (imperialista) e negador das diferenças, mas deve caracterizar-se por um conteúdo mais abrangente e sempre com pluralidade jurídica e de tutela. Torna-se imperioso por isso o reconhecimento de uma cidadania pluritutelada e, portanto, nacional, regional e universal, que assegure em diferentes partes do globo o “direito a ter direitos”, na célebre expressão de Hannah Arendt,

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