Paula Adamo Idoeta Da BBC News Brasil em São Paulo O Brasil viverá, nas próximas décadas, secas cada vez mais prolongadas, temperaturas mais altas e extremos climáticos que terão um profundo impacto na forma como sobrevivemos e produzimos energia e comida. Na prática, o clima vai mudar tanto a vida nas cidades grandes quanto a produção agrícola – causando o risco de o Brasil perder o status de gigante global na produção de alimentos. E a responsabilidade disso recai sobre o avanço do desmatamento, aliado às (e potencializado pelas) mudanças climáticas no mundo inteiro. A avaliação é do cientista do clima Carlos Nobre, que já foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coordena o Instituto Nacional de Tecnologia para Mudanças Climáticas e é um dos principais especialistas do tema no Brasil. Nobre conversou com a BBC News Brasil para comentar os dados recém-divulgados pela organização MapBiomas, que mostram que a superfície de área com água no Brasil ficou 15% menor desde o início dos anos 1990 – esses 3,1 milhões de hectares perdidos equivalem a uma vez e meia à superfície de água de todo o Nordeste. A maior perda (absoluta e proporcional) de superfície de água na série histórica analisada pelo MapBiomas ocorreu no Mato Grosso do Sul, com uma redução de 57%. Enquanto isso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais identificou que os focos de incêndio neste ano até agora cresceram, em relação ao mesmo período no ano passado, na Mata Atlântica, no Cerrado e na Caatinga – neste último, o aumento foi mais de 100%. Na Amazônia, o Instituto Imazon aponta que o acumulado do desmatamento na floresta nos últimos 12 meses até julho atingiu a pior marca dos últimos dez anos. Todos esses dados estão interligados: quanto mais avança o desmatamento – em conjunto com o aumento das temperaturas globais -, menores ficam as temporadas de chuva no Brasil. “Há estudos que mostram claramente que as chuvas estão diminuindo em áreas altamente desmatadas, e as estações secas estão mais longas”, explica Nobre. “No sul da Amazônia, as secas já estão de três a quatro semanas mais longas, com menos chuvas e temperaturas cerca de 3°C mais altas.” O grande problema é que, em áreas desmatadas, perde-se a capacidade de reciclar água, o que intensifica as secas. “Há menos vegetação e raízes para absorver a água, transpirá-la e jogá-la de volta à atmosfera”, diz o cientista. Portanto, quanto mais incêndios e florestas derrubadas, mais seco e quente o clima ficará no curto e no longo prazo. Embora ainda não seja possível saber se esses efeitos serão permanentes, a secura do clima vivida neste momento em grande parte do Brasil – parte de uma tendência já observada nos últimos anos – é uma espécie de “fotografia do que será o clima do Brasil no futuro”, observa Nobre. No “melhor dos cenários”, diz ele, a redução das chuvas será de 10%. “Mesmo que consigamos manter o máximo de aumento da temperatura (global) em 1,5°C, que é o plano mais ambicioso da Convenção das Mudanças Climáticas (o chamado Acordo de Paris), devemos estar preparados para uma estação de chuvas mais curta e uma estação de secas mais longa na maior parte do Brasil.” Os impactos disso foram observados pelo coordenador do MapBiomas água, Carlos Souza Jr. “As evidências vindas do campo já indicam que as pessoas já começaram a sentir o impacto negativo com o aumento de queimadas, impacto na produção de alimentos, e na produção de energia, e até mesmo com o racionamento de água em grandes centros urbanos”, afirmou Souza no comunicado emitido pela organização. Semi-deserto no Nordeste e savana na Amazônia As regiões do Brasil a serem mais afetadas pelas secas prolongadas serão o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, segundo Nobre. No Nordeste, caso a temperatura global continue aumentando, o perigo é “mais de 50% da região virar um semi-deserto”, em vez do semiárido atual, explica o cientista. O alerta já havia sido dado, no início de agosto, pelo relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês): “O Nordeste brasileiro é a área seca mais densamente povoada do mundo e é recorrentemente afetado por extremos climáticos”, destacou o texto. O impacto será direto na vida de ao menos 10 milhões de pessoas que vivem atualmente na agricultura e pecuária nordestinas. Isso porque um Nordeste semi-desértico “não terá agricultura como se pratica hoje. Poderia haver só um pouco de agricultura à beira do rio São Francisco, mas mesmo a vazão do São Francisco vai diminuir, afetando também o potencial de geração de energia elétrica”, diz Nobre. É um exemplo da crise hídrica vivida em todo o Brasil e que já impacta a produção de energia pelas hidrelétricas do país, leva a aumento nos custos das contas de luz pagas pelos consumidores e força o uso de usinas termelétricas – que, por sua vez, são mais poluentes e contribuem para mais emissão de gases do efeito estufa. Enquanto isso, na Amazônia, o perigo identificado por pesquisadores como Carlos Nobre é com o iminente risco de a região virar uma savana – perdendo, portanto, as características únicas de uma floresta tropical. “Vários estudos mostram que se continuarmos a desmatar, vamos passar do que chamamos de ponto de não retorno – um ponto irreversível de savanização”, diz Nobre. Espécies animais e vegetais únicas do Brasil serão perdidas no processo. “Antes, víamos uma mega-seca a cada 20 anos na Amazônia; agora são duas secas por década.” Em julho, um estudo publicado na revista Nature, que teve participação do Inpe, apontou que, por conta do desmatamento e das queimadas, a Amazônia já está emitindo mais CO2 do que consegue absorver. “Precisamos zerar o desmatamento a jato (rapidamente), em poucos anos, no que talvez seja o maior desafio que o Brasil pode enfrentar”, opina Nobre. Saúde humana e agricultura Se sentimos (literalmente) no corpo os efeitos do clima mais seco na saúde, a produção agrícola também vai viver os impactos da escassez de água,