A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico
Artigos Acadêmicos, Direitos Humanos

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico Revista da APG/ PUC-SP – Ano XIV – Número 34 – 2008   Autores: Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br   Livia Gaigher Bósio Campello liviagaigher@yahoo.com RESUMO A Constituição Federal de 1988, quando estabeleceu, no caput do artigo 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, instituiu uma ordem econômica de caráter essencialmente finalístico. Nesse contexto, coube o exame, à luz do Direito Econômico, da crescente problemática em torno da exceção prescrita à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, especificamente na hipótese de obrigação decorrente da fiança concedida em contrato de locação, confrontando-a com o direito fundamental à moradia, que possui valor constitucional, a partir da sua positivação por meio da Emenda Constitucional n. 26/2000. Palavras-chaves: ordem econômica; dignidade da pessoa humana; bem de família; direito à moradia. ABSTRACT The Federal Constitution of 1988, when established, in the caput of Article 170, that “the economic order, based on exploitation of labour and free initiative, aims to ensure a dignified existence all, as the dictates of social justice”, imposed an order finalístico essentially economic in nature. This circumstance arises as a primary function of the state – implement rights – especially those who identify with the very expression of human dignity. Thus, had the analysis of the exception provided for the general rule of impenhorabilidade good of the family, specifically in the event that obligation granted bail in the contract of lease, confronting it with the fundamental right to housing, which has constitutional value from the his positivação through Constitutional Amendment No 26/2000. Keywords: economic order; dignity of the human person, and the family; right to housing. INTRODUÇÃO Ao relacionar, ainda que de maneira sucinta, as razões pelas quais alguns Ministros divergem da hipótese prevista de penhorabilidade do bem de família do fiador, conferindo primazia ao direito social à moradia consagrado no artigo 6° da CRFB/88, descortinam-se incertezas que envolvem a questão e acarretam uma imensa dificuldade em conformar-se com o posicionamento majoritário do STF, ou admitir-se a solução como definitiva para a controvérsia. Logo, é oportuno demonstrar que ao direito à moradia e à impenhorabilidade do bem de família, em seu sentido mais amplo, acresce-se a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na ordem econômica, e que todo este complexo pode ser idealizado à luz do novo Direito Econômico. Nas próximas linhas procurar-se-á contextualizar o tema ao seu pano de fundo, que é a evolução das relações sociais que, por sua vez, já ocasionou o abandono da perspectiva liberal do direito para o necessário dirigismo estatal, principalmente da área econômica ( [01]). Partindo da mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, aliado ao ideário de normatizações mais recentes, como o Código de Defesa do Consumidor e, fundamentalmente, a Constituição Federal de 1988, será analisado o tema da (im)penhorabilidade do bem de família. Assim, cumpre inicialmente observar que a ordem econômica brasileira, de acordo com o caput do artigo 170 da CRFB/88 é uma ordem que prevê seu fundamento na compatibilização da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano. Portanto, determina a humanização do capitalismo, isto é, a introdução de elementos humanizantes na lógica capitalista de produção ( [02]). Além disso, ainda com base no mesmo dispositivo, verifica-se que nossa ordem econômica é finalística e inclusiva, ou seja, tem por fim assegurar a todos existência digna. Enfim, o citado mandamento constitucional também estabelece os critérios para a determinação deste objetivo da ordem econômica. Nesse sentido, aponta para os ditames da justiça social, elencando nove princípios a serem observados. Desse modo, este texto procurará debater mais o paradigma do que o próprio tema em si, buscando situar em qual perspectiva se apresentam os argumentos, bem como as posições amplamente difundidas e recorrentes sobre a (im) penhorabilidade do bem de família do fiador, após a alteração constitucional que ampliou o rol de direitos fundamentais brasileiros, com o acréscimo do direito à moradia. 1. O SURGIMENTO DO DIREITO ECONÔMICO Com o processo de globalização, a ciência do direito vem se ligando cada vez mais aos fatos que dizem respeito à economia, haja vista os numerosos fenômenos neste campo do conhecimento humano, que refletem diretamente no próprio direito positivo. Da necessidade de tutelar tais fenômenos, surge o ramo do Direito Econômico, que une o Direito Público e Privado, numa perspectiva moderna de análise do direito. Ao nos debruçarmos sobre o Direito Econômico, preliminarmente há que se referir ao processo de mundialização ( [03]), que, do mesmo modo que derrubou fronteiras comerciais e trouxe evidentes benefícios aos consumidores, também gerou crises e duas guerras mundiais ( [04]). Após o fim da primeira guerra mundial e principalmente ao final da segunda, os Estados não mais podiam permitir que a crença na ordem natural da economia (mercado) dirigisse os fenômenos econômicos, como queriam os liberais. Com o fim da primeira luta armada, surgiram dois diplomas constitucionais que, por seu conteúdo social, são tidos como sinais do constitucionalismo social, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Essas Constituições trouxeram as primeiras respostas às exigências de um novo ordenamento jurídico capaz de atender às mudanças sociais e econômicas. Outros movimentos contribuíram para a superação do direito tradicional (individual), como a Revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola, ascensão dos regimes nazi-fascistas e a crise da bolsa de Nova Iorque. Mas foi a partir da Carta de Weimar, constituída no período entre guerras, que a grande maioria das Constituições incorporou no seu conteúdo tradicional uma seção relativa à ordem econômica. Com efeito, costuma-se dizer que o Direito Econômico surgiu no século XX, cronologicamente com a Constituição mexicana e, historicamente, com a Constituição de Weimar. Entretanto, não há como desprezar outros aspectos que influenciaram o seu nascimento desde o final do século XIX, como: i) o processo de concentração de capital; ii) a necessidade de expansão econômica; iii) a conseqüente disputa por mercados. Visto por outro ângulo, frente