“IBGE da vida marinha”: estudo inédito sobre a biodiversidade no mar revela potenciais impactos da mudança do clima
As comunidades de costões rochosos são impactadas pela variação na temperatura do oceano. É o que aponta um artigo publicado no periódico Marine Environmental Research em julho de 2024, resultado de um projeto de pesquisa que demonstra como os efeitos da temperatura do oceano, da força das ondas e do volume de água doce que chega ao mar exercem sobre a biodiversidade marinha. O estudo é uma espécie de “IBGE da vida marinha”, por avaliar a variação na abundância e no tamanho de organismos em costões rochosos ao longo da costa sudeste do país e permitir fazer a previsão dos impactos que as alterações climáticas podem trazer para esses organismos, segundo os autores do artigo – um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), o Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar/USP) e com pesquisadores ligados a instituições de pesquisa da China e do Reino Unido, contando com apoio do CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Inédito, o projeto foi o primeiro desenvolvido na costa brasileira a avaliar a biodiversidade do entremarés em costões rochosos, em uma escala espacial de mais de 800 km, de Itanhaém, em São Paulo, a Armação dos Búzios, no estado do Rio de Janeiro. Durante o estudo, os pesquisadores coletaram informações sobre os locais onde estão distribuídas as várias espécies, em quais quantidades se encontram e os respectivos tamanhos. Esta característica é relevante porque determina a influência da espécie na comunidade, seja pela competição por espaço ou por sua ação de predação – carnívora ou herbívora – na relação com outras espécies. A equipe cruzou todas as informações reunidas com dados ambientais de temperatura do mar, grau de exposição às ondas e influência de água doce proveniente de rios, trabalhando em várias etapas. Na primeira delas, campanhas de campo intensivas coletaram os dados em 62 costões rochosos em um espaço de poucos meses, garantindo que todos as informações estivessem sob influência de um mesmo regime de estação climática. Campanhas de coleta de campo ajudaram a avaliar a predação entre as espécies principais. Em outra etapa, a equipe realizou experimentos em 18 costões rochosos no gradiente latitudinal pesquisado, para testar como fatores das mudanças climáticas podem influenciar a predação entre esses animais. Essa etapa envolveu uma força tarefa, encarregada de instalar e monitorar gaiolas nas rochas na zona costeira. Além do trabalho de campo e análises dos organismos em laboratório, os pesquisadores realizaram etapas de sensoriamento remoto e modelagem, para obter dados de monitoramento de satélite sobre a temperatura do oceano, a descarga de água doce por rios na zona costeira e a força de impacto das ondas. As informações ajudaram a equipe a entender como cada um desses fatores varia, em uma escala de menos de dez quilômetros ao longo da costa. A pesquisa em campo e laboratório durou quatro anos e envolveu uma equipe de vinte pesquisadores e estudantes, resultando em diferentes publicações científicas. Nos últimos dois anos, artigos científicos derivados do projeto começaram demonstrar como a biodiversidade interage nesse sistema. Por que estudar a influência das mudanças climáticas nos organismos marinhos Os pesquisadores estudaram como as populações de organismos marinhos variam em ambiente natural dentro de um gradiente de temperatura do oceano que varia naturalmente em cerca de 3 graus Celsius entre os locais com águas mais quentes, como é o caso da região da Baixada Santista até Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e as águas mais frias da região dos Lagos, também no Rio de Janeiro. O entendimento de como esse gradiente de temperatura influencia no ambiente natural permite extrapolar os potenciais impactos do aumento da temperatura do oceano – que, no último ano, por exemplo, tem estado de 1 a 2 graus Celsius acima da média no Atlântico Sul. No gradiente de temperatura do oceano na costa sudeste brasileira, os pesquisadores buscaram costões rochosos com diferentes graus de impacto das ondas, desde áreas mais abrigadas, com pouca força das ondas, até as com alta energia de ondas. Tornou-se possível avaliar, assim, como o aumento das ressacas no mar, que geram ondas mais fortes, pode influenciar na biodiversidade. Além da temperatura do oceano, a equipe avaliou o efeito local da força das ondas. Por fim, ao longo de toda a região do estudo, os pesquisadores buscaram costões rochosos próximos e distantes da foz de rios, para avaliar como o aumento das chuvas e a descarga de água doce no oceano podem influenciar a biodiversidade. A pesquisa envolveu a biodiversidade do entremarés de costões rochosos como modelo ideal por diferentes razões. Em primeiro lugar, as espécies do entremarés – área localizada entre as marés baixa e alta – habitam um ambiente altamente estressante, ficando submersas e expostas ao ar várias vezes ao dia, conforme a maré sobe e desce. Dessa forma, são organismos adaptados a fatores de estresse e excelentes modelos de estudo sobre como os impactos da mudança do clima podem afetar suas populações. Em segundo lugar, essas espécies enfrentam grandes variações de temperatura de umidade e de salinidade e têm sido mundialmente afetadas pelas ondas de calor atmosférico, sendo bons indicadores de impactos na zona costeira. A superfície das rochas, por exemplo, pode atingir mais de 50 graus Celsius no verão, ficando tão quente quanto o asfalto das cidades. Para os pesquisadores, um dos desafios do projeto era entender os padrões ecológicos naturais dentro de um gradiente de variação que permite extrapolar previsões para os cenários futuros de mudanças de clima. “Compreender o sistema natural é nossa maior força para buscar as soluções para o futuro. Nós focamos em avaliar diferentes fatores ambientais em conjunto, desde a rugosidade das rochas até a temperatura do oceano”, afirma o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Instituto do Mar da Unifesp, Ronaldo Christofoletti, coordenador do projeto e do grupo de pesquisa. Ele observa que a temperatura do oceano, o impacto das ondas e o aporte de água doce são