Professor Vladmir Silveira

Artigos Acadêmicos, Direitos Humanos

O tribunal penal internacional e a garantia dos direitos humanos

O tribunal penal internacional e a garantia dos direitos humanos Revista Diálogos & Debates  – Setembro 2006 Por Vladmir Silveira   Ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, a emenda constitucional 45/2004 trouxe importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos. Recentemente – ou seja, no dia 17 de agosto de 2006 –, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Governo Brasileiro pela morte violenta do paciente Damião Ximenes Lopes, de 30 anos, internado em hospital psiquiátrico privado na cidade de Sobral, Ceará, declarando na sentença condenatória: “(…) a responsabilidade internacional (do Estado brasileiro) por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, (…)”. A sentença afirma e conclui, explicitamente, que o Brasil violou sua obrigação internacional – assumida livre e soberanamente perante a comunidade internacional – de respeitar e garantir os direitos humanos, tendo em vista o reconhecimento da violação do direito à integridade pessoal de Damião, além dos direitos às garantias e à proteção judicial a que seus familiares têm direito (no decorrer do texto da referida sentença, a Corte Interamericana conclui “que o Estado não proporcionou aos familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso à justiça, à determinação da verdade dos fatos, à investigação, identificação, o processo e (…) a punição dos responsáveis pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial”). Um marco pelo direito Esta decisão que entra para história como a primeira condenação internacional do Estado Brasileiro, no âmbito da OEA, aparentemente com um conteúdo negativo, é o resultado positivo de uma luta constante e árdua no âmbito da efetividade dos direitos humanos. Com efeito, a lamentável morte de Damião Ximenes Lopes serve como manifesto e exemplo da consciência internacional – e também regional – no sentido da proteção à dignidade da pessoa humana. As barbaridades (e entre elas podemos hoje citar os crimes de genocídios, contra a humanidade, de guerra e contra a administração da Justiça) praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas, que se sucederam desde o princípio da Idade Moderna até os dias de hoje, e a justiça estatal, realmente com a venda nos olhos, frustraram os desejos da comunidade internacional pelo primado e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Desse modo, durante muito tempo, as vítimas desses crimes e o povo em geral se viram desprotegidos da tutela dos seus direitos humanos, à medida que não tinham a quem recorrer, restando- lhes apenas a aceitação dos fatos, ou na melhor das hipóteses à esperança de se fazer justiça com um poder acima do estatal (a corrente do Jusnaturalismo correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência. Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos. Com efeito, a reiteração de experiências aterrorizantes, como a morte de Damião Ximenes Lopes, levaram a humanidade a lutar pela criação de tribunais de caráter permanente e com jurisdição universal, tendo em vista a dificuldade de efetividade das normas de direitos humanos, haja vista a necessária superação de dogmas, como a cláusula de jurisdição doméstica, a inimputabilidade dos agentes estatais e a parcialidade dos tribunais ad hoc.. (Os tribunais ad hoc foram sempre criticados, tendo em vista que representam os tribunais dos vencedores, haja vista que são vinculados ao Conselho de Segurança da ONU). Assim, até o término da Segunda Guerra Mundial pouco se fez no plano internacional por absoluta falta de meios legais e institucionais para coibir genocídios, massacres, assassinatos, torturas, mutilações e outras ofensas graves aos direitos humanos praticados em grande escala. No plano doméstico brasileiro, esse processo de institucionalização e garantia dos direitos humanos culminou com a emenda constitucional nº 45/2004, que se mantendo fiel ao espírito da nossa Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço na efetividade dos direitos humanos ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, em seu artigo 5º § 4º. Neste sentido, pode-se dizer que trouxe uma importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos. Proteção dos direitos essenciais do homem Note-se, que a referida emenda criou uma jurisdição internacional dentro do ordenamento jurídico pátrio ao reconhecer, constitucionalmente, a submissão do Brasil à jurisdição de “Tribunal Penal Internacional”, a cuja criação tenha manifestado adesão. Portanto, a Corte Interamericana de Direito Humanos que não é citada expressamente no rol do art. 92 da Constituição Federal, mas sim em razão da combinação desse novo dispositivo e do original § 2º do art. 5º da mesma Constituição Federal (Art. 5º, parágrafo 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), a partir de então, ampliou a lista de Tribunais – órgãos do Poder Judiciário Brasileiro –, à medida que criou novo instrumental de afirmação não só da existência, como também de eficácia das normas constitucionais, além do II do art. 4º da CF, que nos brindou com a prevalência dos direitos humanos. Por oportuno, importante lembrar, que originalmente o art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Brasileira em vigor, já preceituava que “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Assim sendo, pode-se concluir que o Ordenamento Brasileiro, com a aludida modificação constitucional, ampliou o reconhecimento de jurisdição penal, trazendo importantes conseqüências como a nova espécie de jurisdição penal internacional, que passará a combater novos tipos penais com grande eficácia. Com efeito, pode-se dizer que a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 o princípio lógico, ontológico e deontológico da vida passa a ser realmente protegido por nosso ordenamento (conferir VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria General de las Articulaciones Constitucionales. Madrid: Dykinson, 1940, pág. 44). Importante ressaltar que a aludida disposição constitucional é impactante, pois permite que se questione às responsabilidades jurídicas e políticas dos representantes dos cidadãos em nosso país, de nosso Direito e do nosso sistema democrático perante a comunidade internacional. Frise- se que a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem como missão a promoção da democracia e defesa dos direitos humanos, mediante a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Nesse sentido, saliente-se ainda que esse tratado regional é obrigatório para os Estados que o ratificaram, sendo também o desfecho final de um processo que se iniciou no final da Segunda Guerra Mundial, quando as nações da América se reuniram

O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica
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O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica

O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica   Revista Diálogos & Debates Por Vladmir Silveira No contexto mundial da globalização, assistimos a um ato despropositado do Governo Boliviano que põe em xeque não apenas a liderança brasileira no Cone Sul, mas também a maturidade político-econômica da região. “Nós, latino-americanos, não estamos satisfeitos com o que somos, mas ao mesmo tempo não conseguimos chegar a um acordo sobre o que somos, nem sobre o que queremos ser.” (Carlos Rangel). As relações internacionais vêm sofrendo rápidas e profundas transformações desde o fim da guerra fria. São visíveis duas grandes tendências, aparentemente contraditórias, convivendo no sistema mundial. Se por um lado presenciamos uma forte tendência à globalização, de outro verificamos também alguns impulsos no sentido da fragmentação do Estado. A globalização é um processo antigo de aproximação e conciliação entre os Estados, principalmente no campo econômico. Limitada durante a guerra fria por causa da divisão do mundo em dois blocos antagônicos, o processo foi intensificado logo após a dissolução do conflito ideológico. Assim, na área econômica, impulsionada pelas oportunidades de lucro e acumulação de capital, assistimos à internacionalização da produção e a mundialização dos processos econômico-financeiros. Esses fenômenos manifestaram-se, em grande medida, pela intensificação do comércio internacional de bens e serviços, dos investimentos externos diretos, do comércio de tecnologia e de outras relações contratuais, promovida pela queda de barreiras alfandegárias e outras medidas protecionistas. As conseqüências da globalização A derrocada do bloco socialista não significou o avanço irrestrito do processo de globalização. A tendência à fragmentação continua presente no cenário internacional, como observamos na luta basca, catalã e montenegrina – para ficarmos apenas com exemplos europeus. Ela se apresenta como uma resistência a esse processo, ao buscar a preservação da identidade local, na maioria das vezes relacionando- a com a defesa de setores específicos da sociedade, com manifestações de afirmações étnicas e de outros tipos de unidade nacional, tais como a língua e a cultura. E não poderia ser diferente, tendo em vista que o atual modelo em transição baseia-se em unidades autônomas da coletividade, batizadas de Estados-Nação. Ressalte-se que esse sistema em vigor é fundamentado na clássica Teoria Geral do Estado e pauta-se no conceito de soberania para regular as relações internacionais. Evitando a discussão sobre o melhor conceito de soberania, ou a data de formação dessas entidades, o fato é que a soberania pode ser definida genericamente como o poder que os Estados-Nação gozam de fazer valer a sua vontade (dar a última palavra) legitimamente, dentro do seu território. Portanto, pode-se dizer que o Estado possui, dentro dessa teoria, o monopólio legítimo da força e o direito de prevalecer dentro do seu espaço territorial, que ficou conhecido na literatura política como a razão de Estado (raison d´État). Sendo assim, o Estado soberano, nos séculos XIX e XX, demonstrou grande força e enorme poder de mobilização, no que pese toda a discussão sobre o seu surgimento, origens e objetivos. O ser humano passou a se identificar como membro desses Estados, além dos direitos fundamentais só serem garantidos em virtude do reconhecimento aos seus membros da qualidade de cidadão. Nesse sentido, convém citar a figura dos apátridas, que reflete muito bem o problema e as dificuldades reais existentes àqueles despojados da condição de membro dos Estados, ou seja, cidadão. Ocorre que o fenômeno da globalização, que pode ser evidenciado pela interdependência econômica, pelas políticas econômicas regionais (ou de blocos), pela confecção de produtos industrializados em âmbito mundial, inclusive com a fragmentação da sua produção, acabou por diminuir o protagonismo dos Estados nas relações internacionais. Exatamente por isso, a segunda Convenção de Viena reconheceu também as Organizações Internacionais como sujeitos de Direito Internacional Público. E nesse novo cenário de interdependência, por óbvio, determinados assuntos do ponto de vista jurídico ultrapassaram as fronteiras dos Estados. A América Latina e o regionalismo Como conseqüência desse processo de globalização, nas últimas décadas a política internacional deixou de ser decidida única e exclusivamente pelos Estados. Novos atores, como podem ser as empresas transnacionais,as instituições e organizações internacionais, além das organizações não governamentais, têm participado ou contribuído no processo de tomada de decisões. Com efeito, surgiram complexas imbricações de vulnerabilidade e dependência. Assim, os Estados que anteriormente eram os únicos atores da política internacional já não mais controlam com exclusividade esse cenário. Muito pelo contrário, a maioria dos países não só perdeu a hegemonia, como também se tornou coadjuvante. Num mundo de interdependência, os Estados tornam-se reféns, na maioria dos casos, de uma tríplice escolha. A primeira opção é a busca do isolacionismo. Todavia, como todos os outros estão participando do fenômeno global, isso pode custar sérios problemas sociais, políticos e, principalmente, econômicos. Uma segunda possibilidade seria a tentativa de contenção do problema dentro do seu território, ou seja, dentro de sua área de influência (competência). Ocorre que fatos e acontecimentos recentes têm demonstrado que tal medida possui limites, quando não se verifica a sua inviabilidade prática. Uma terceira tentativa seria uma cooperação internacional, de modo que a segunda opção pudesse ter uma real eficácia. A depressão econômica de 1929 foi uma das primeiras evidências de que a economia nacional não poderia, isoladamente, resolver todas as demandas de desenvolvimento de uma coletividade. Por isso, progressivamente foram-se adotando mecanismos que superavam o sistema de Estados- Nação. Entretanto, imaginar um Estado Global ou Supranacional ainda causa temores e preocupações não só pelas grandes assimetrias econômicas, políticas e sociais existentes, mas também pelos fatos vivenciados no último século. Fatos que demonstraram claramente que o uso irracional e distorcido da cultura, da religião e da ideologia pode se impor como forças determinantes das sociedades e, conseqüentemente, conduzir a humanidade a conflitos fundamentalistas e contrários a dignidade da pessoa humana. Diante dessas preocupações e da irreversibilidade da globalização, o regionalismo apresenta-se como um meio termo entre essas duas tendências. Pela formação de blocos regionais, como a União Européia, os Estados buscam unificar seus mercados, primeiramente em âmbito regional, ganhando assim competitividade para, num segundo momento, caminhar rumo à abertura de sua economia em escala global. No entanto, há que se registrar que a dinâmica da integração regional também pode conduzir à formação de blocos excessivamente fechados, o que implicaria num movimento em direção oposta, ou seja, no sentido da fragmentação. O processo de integração regional, com notável dinamismo nos últimos anos, coloca-se, dessa forma, como uma das questões contemporâneas de maior relevância devido às suas inúmeras e sérias conseqüências, sobretudo para a economia mundial. Para o Brasil, o tema da regionalização assume particular importância pela inserção do país num ambicioso projeto de integração regional – o Mercosul – e, sobretudo, pela intenção constitucional manifestada em 1988, no sentido de buscar integração econômica, política, social e cultural dos povos do continente, visando à formação da comunidade latino-americana de nações. A relação Petrobrás-Bolívia O Estado Boliviano, que há 12 anos exportava pouco mais de 30 milhões

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico
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A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico

A (im)penhorabilidade do único imóvel do fiador na perspectiva do Direito Econômico Revista da APG/ PUC-SP – Ano XIV – Número 34 – 2008   Autores: Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br   Livia Gaigher Bósio Campello liviagaigher@yahoo.com RESUMO A Constituição Federal de 1988, quando estabeleceu, no caput do artigo 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, instituiu uma ordem econômica de caráter essencialmente finalístico. Nesse contexto, coube o exame, à luz do Direito Econômico, da crescente problemática em torno da exceção prescrita à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, especificamente na hipótese de obrigação decorrente da fiança concedida em contrato de locação, confrontando-a com o direito fundamental à moradia, que possui valor constitucional, a partir da sua positivação por meio da Emenda Constitucional n. 26/2000. Palavras-chaves: ordem econômica; dignidade da pessoa humana; bem de família; direito à moradia. ABSTRACT The Federal Constitution of 1988, when established, in the caput of Article 170, that “the economic order, based on exploitation of labour and free initiative, aims to ensure a dignified existence all, as the dictates of social justice”, imposed an order finalístico essentially economic in nature. This circumstance arises as a primary function of the state – implement rights – especially those who identify with the very expression of human dignity. Thus, had the analysis of the exception provided for the general rule of impenhorabilidade good of the family, specifically in the event that obligation granted bail in the contract of lease, confronting it with the fundamental right to housing, which has constitutional value from the his positivação through Constitutional Amendment No 26/2000. Keywords: economic order; dignity of the human person, and the family; right to housing. INTRODUÇÃO Ao relacionar, ainda que de maneira sucinta, as razões pelas quais alguns Ministros divergem da hipótese prevista de penhorabilidade do bem de família do fiador, conferindo primazia ao direito social à moradia consagrado no artigo 6° da CRFB/88, descortinam-se incertezas que envolvem a questão e acarretam uma imensa dificuldade em conformar-se com o posicionamento majoritário do STF, ou admitir-se a solução como definitiva para a controvérsia. Logo, é oportuno demonstrar que ao direito à moradia e à impenhorabilidade do bem de família, em seu sentido mais amplo, acresce-se a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na ordem econômica, e que todo este complexo pode ser idealizado à luz do novo Direito Econômico. Nas próximas linhas procurar-se-á contextualizar o tema ao seu pano de fundo, que é a evolução das relações sociais que, por sua vez, já ocasionou o abandono da perspectiva liberal do direito para o necessário dirigismo estatal, principalmente da área econômica ( [01]). Partindo da mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, aliado ao ideário de normatizações mais recentes, como o Código de Defesa do Consumidor e, fundamentalmente, a Constituição Federal de 1988, será analisado o tema da (im)penhorabilidade do bem de família. Assim, cumpre inicialmente observar que a ordem econômica brasileira, de acordo com o caput do artigo 170 da CRFB/88 é uma ordem que prevê seu fundamento na compatibilização da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano. Portanto, determina a humanização do capitalismo, isto é, a introdução de elementos humanizantes na lógica capitalista de produção ( [02]). Além disso, ainda com base no mesmo dispositivo, verifica-se que nossa ordem econômica é finalística e inclusiva, ou seja, tem por fim assegurar a todos existência digna. Enfim, o citado mandamento constitucional também estabelece os critérios para a determinação deste objetivo da ordem econômica. Nesse sentido, aponta para os ditames da justiça social, elencando nove princípios a serem observados. Desse modo, este texto procurará debater mais o paradigma do que o próprio tema em si, buscando situar em qual perspectiva se apresentam os argumentos, bem como as posições amplamente difundidas e recorrentes sobre a (im) penhorabilidade do bem de família do fiador, após a alteração constitucional que ampliou o rol de direitos fundamentais brasileiros, com o acréscimo do direito à moradia. 1. O SURGIMENTO DO DIREITO ECONÔMICO Com o processo de globalização, a ciência do direito vem se ligando cada vez mais aos fatos que dizem respeito à economia, haja vista os numerosos fenômenos neste campo do conhecimento humano, que refletem diretamente no próprio direito positivo. Da necessidade de tutelar tais fenômenos, surge o ramo do Direito Econômico, que une o Direito Público e Privado, numa perspectiva moderna de análise do direito. Ao nos debruçarmos sobre o Direito Econômico, preliminarmente há que se referir ao processo de mundialização ( [03]), que, do mesmo modo que derrubou fronteiras comerciais e trouxe evidentes benefícios aos consumidores, também gerou crises e duas guerras mundiais ( [04]). Após o fim da primeira guerra mundial e principalmente ao final da segunda, os Estados não mais podiam permitir que a crença na ordem natural da economia (mercado) dirigisse os fenômenos econômicos, como queriam os liberais. Com o fim da primeira luta armada, surgiram dois diplomas constitucionais que, por seu conteúdo social, são tidos como sinais do constitucionalismo social, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Essas Constituições trouxeram as primeiras respostas às exigências de um novo ordenamento jurídico capaz de atender às mudanças sociais e econômicas. Outros movimentos contribuíram para a superação do direito tradicional (individual), como a Revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola, ascensão dos regimes nazi-fascistas e a crise da bolsa de Nova Iorque. Mas foi a partir da Carta de Weimar, constituída no período entre guerras, que a grande maioria das Constituições incorporou no seu conteúdo tradicional uma seção relativa à ordem econômica. Com efeito, costuma-se dizer que o Direito Econômico surgiu no século XX, cronologicamente com a Constituição mexicana e, historicamente, com a Constituição de Weimar. Entretanto, não há como desprezar outros aspectos que influenciaram o seu nascimento desde o final do século XIX, como: i) o processo de concentração de capital; ii) a necessidade de expansão econômica; iii) a conseqüente disputa por mercados. Visto por outro ângulo, frente

Gestão da força de trabalho entre os Entes Federativos da Administração Pública
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Humanismo jurídico e direito ao patrimônio cultural

Revista Diálogos & Debates  Folclore, cultos religiosos tradicionais, culinária típica, cantos e danças são protegidos juridicamente. Se perdermos os valores culturais expressos em nosso patrimônio diminuiremos nossa própria essência brasileira. Por Vladmir Oliveira da Silveira e María M . Rocasolano   Dentro do estudo do Direito, como em todas as ciências, aparecem temas que podemos denomina atrativos, seja por sua novidade ou por causa do seu conteúdo. No âmbito jurídico, a problemática e repercussão do patrimônio cultural possui essa característica. O professor mexicano Raúl Ávila Ortiz o define como “O ramo dos direitos culturais que regula a investigação, proteção, conservação, restauração, recuperação e os usos dos bens culturais móveis e imóveis valiosos e os espaços em que se encontram, assim como os objetos singulares criados e legados historicamente pela sociedade através de sua evolução no tempo”. Catalogado como um dos direitos de terceira geração, atualmente a discussão está bem acesa, tanto no que diz respeito ao seu alcance multidisciplinar como também na abrangência do seu significado, intimamente vinculado com a própria definição da cultura, sendo tudo o que caracteriza a sociedade humana – o que identifica um povo pelo modo de ser, viver, pensar e falar. Por isso é necessário que, desde o início de nossas reflexões, deixemos claro que as manifestações e visões da condição humana são complexas e comportam múltiplas interpretações. Além disso, convém destacar a influência do humanismo jurídico sobre o patrimônio cultural material e imaterial, o que abre um universo onde a humanidade se expressa da forma mais autêntica e real, qual seja, a cultura adapta as condições da existência, transformando a realidade histórica do homem. A construção do significado de patrimônio cultural Tradicionalmente, os termos bens culturais e patrimônio cultural foram utilizados indistintamente, no âmbito internacional, o que não significa que sejam sinônimos nem equivalentes. A primeira vez em que se empregou o termo bens culturais foi na Convenção da Haia de 1954, para se referir à sua proteção, em caso de conflito armado. Na Convenção da Unesco de 1970 foram definidas as medidas que devem ser adaptadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas de bens culturais. Dois anos mais tarde, o significado e alcance do patrimônio cultural foram definidos na Convenção de 1972 sobre a proteção do patrimônio mundial natural e cultural. Com efeito, foi considerado um bem precioso para a humanidade (a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural foi aprovada pela Conferência Geral da Unesco, em Paris, em 16 de novembro de 1972; o Brasil aderiu e ela pelo decreto 80.978, de 12/12/1977). Novamente, no âmbito dos conflitos armados, no ano 1999 adotou-se uma série de medidas no segundo Protocolo da Convenção de Haia para a proteção dos bens culturais, com aplicação tanto em conflitos armados internacionais como domésticos. Desse modo, com o desenvolvimento do conteúdo do patrimônio cultural e com a idéia de protegê-lo integralmente, surgiu em 2001 a Convenção da Unesco para a proteção do patrimônio cultural subaquático. Mais recentemente, preocupados na concretização do patrimônio imaterial, foi elaborada outra convenção para salvaguardar o patrimônio cultural imaterial e a Declaração relativa à destruição intencional do patrimônio cultural, ambas de 17 de outubro de 2003. Seguindo a advertência inicial e objetivando diferenciar significados em prol da segurança jurídica, assim como uma interpretação mais adequada, esclarecemos que o conceito de patrimônio cultural é mais amplo que o de bem cultural, pois se refere a uma “forma de herança que deve ser protegida e entregue às gerações futuras”, como ensina Janet Blake, razão pela qual nos referimos a patrimônio e não a bens culturais neste artigo. (São muitos os autores que tratam deste tema. Destacamos: Lyndel Prott e Patrick J. O’Keefe, “Cultural heritage or cultural property?”, International Journal of Cultural Property, vol. 1, 1992, pág. 307; Roger O’Keefe, “The meaning of ‘cultural property’ under the 1954 Hague Convention”, Netherlands International Law Review, vol. XLVI, 1999, pág. 26; Janet Blake, “On defining the cultural heritage”, International and Comparative Law Quarterly, vol. 49, 2000, pág. 61; e Vieira Loureiro, “A proteção internacional dos bens culturais: uma nova perspectiva”, Revista dos Tribunais, 1995, que se refere à Convenção Unidroit, pág. 364). Os diversos tratados e convenções mencionados representam um passo importante na difícil tarefa de concretizar o significado do patrimônio cultural, que, como muitos dos chamados direitos de terceira geração, apresentam dificuldades na sua definição, por serem conceitos jurídicos indeterminados. Sendo assim, a missão de estabelecer conteúdos claros e precisos dos aspectos tangíveis e intangíveis torna-se fundamental, na medida em que esse ato esclarecerá as dúvidas acerca da proteção jurídica do patrimônio cultural e da sua relação com os direitos humanos. Mas não se pode esquecer que embora se trate de um conceito complexo e indeterminado a sua exigência é necessária, pois se refere a um determinado direito humano. Certamente, é um desafio de nosso tempo conjugar expressões culturais com categorias jurídicas e requisitos normativos que tragam efetividade aos direitos humanos. No diálogo jurídico-cultural surge, necessariamente, a seguinte pergunta: como devemos proteger as manifestações culturais que pertençam a todos? Como deve proceder o legislador quando a cultura de um país é, na verdade, uma mescla de culturas que convivem com outras? E, acima de tudo, como entender o patrimônio cultural dentro da globalização, no marco internacional dos direitos humanos? Patrimônio cultural à luz do humanismo jurídico As dificuldades apresentadas acima devem ser analisadas a partir do humanismo jurídico que, tendo por fundamento o homem, seus limites e interesses, mostra-se a perspectiva mais coerente para entender as manifestações humanas, que compreendem não somente as obras dos artistas, como também as criações anônimas surgidas da alma popular e do conjunto de valores que dão sentido à vida. Assim, por intermédio do humanismo pode-se abordar o conteúdo, alcance e garantia do patrimônio cultural da humanidade, superando os obstáculos que impedem uma sociedade mais humana e mais justa. Partindo do humanismo jurídico, cujo símbolo máximo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, referência central na construção de um paradigma para a humanização do direito por denotar a vontade geral da humanidade, baseada numa ética sólida, calçada nos valores humanos, acredita-se na capacidade e no espírito de superação do homem dentro da razão e do livre-pensamento. Por isso, considera-se essencial à preservação cultural a conservação dos princípios morais, éticos e, sobretudo, da existência digna do ser humano, enquanto único e insubstituível, dotado de razão, liberdade e vontade. Jacques Maritain, valendo-se da poderosa máxima “homo sum, humani nihil a me alienum puto”, lembra que o humanismo é toda postura cultural que visa promover a devolução do ser humano ao que é verdadeiramente humano e ao seu potencial de enriquecimento da natureza e da história. Palavras que no contexto do patrimônio cultural adquirem força expressiva e impulsionam o perfil cultural e humanista do Direito. Esse caráter adjetiva a ciência jurídica

A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional
Artigos Acadêmicos, Direito Internacional

A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional

Autor: Vladmir Silveira Revista Autônoma de Direito Privado –  Curitiba – Jurua Editora – 2006 Sumário: 1. introdução – 2. 0 princípio da autonomia da vontade e a cláusula rebus sic stantibus coma formadores dos contratos internacionais – 3. A cláusula de hardship – 4. A cláusula de hardship e a cláusula de força maior – 5. Equilíbrio 11os contratos internacionais – a importância das cláusula de hardship – 6.Conclusão – 7. Referências. Introdução Num exiguo lapso de tempo, tem-se experimentado uma vertiginosa internacionalização das relações sociais, fruto do desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação, de uma realidade concorrencial cada vez mais intensa, exigências de consumo mais complexas e a consequente interligação entre empresas de vários países, em busca de um número maior de mercado consumidor. Desta nova realidade mundial, fortaleceu-se o comércio internacional e, consequentemente, uma nova estrutura jurídica que atenda as suas específicas necessidades. O desenvolvimento do comércio internacional, fundado sobretudo na relação contratual entre pessoas, públicas ou privadas, de diferentes Estados trouxe consigo a polêmica entre regimentos jurídicos diferentes, o conflito entre as leis locais que regem cada uma das partes contratantes, criando verdadeiro impasse quando da elaboração do contrato ou mesmo quando da sua inexecução, Deste embate nasce o direito do comércio internacional, que tem como princípio regente a Autonomia da Vontade e como objetivo precípuo organizar as relações contratuais no âmbito internacional. Intensificando a problemática da ausência de normas que regem as relações internacionais, tem-se a constante transformação do mercado internacional, que por sua própria natureza global é afetado pela mais singela manifestação dos países, mesmo que eles nao sejam parte de uma relação  específica. Em outras palavras, a relação entre duas partes nao se restringe tão-somente à realidade que diretamente lhes envolva, de maneira que fatalidades ocorridas num outro país podem vir a gerar a própria inexecução de um contrato, tornando impossível seu cumprimento. As constantes mutação da realidade internacional, a suscetibilidade dos contratos internacionais a tais transformações e a usual extensa duração de tats contratos, geram uma atmosfera de incertezas e evidente preocupação com os obstáculos que possam surgir e criar dificuldades na execução do contrato, cuja complexidade pode aumentar radicalmente em face do conflito de leis entre as partes contratantes. Nesse contexto, o contrato internacional foi se moldando, ao longo do tempo, para  que se tornasse um instrumento seguro, protegendo as relações internacionais das constantes mutações que as cercam. Mister destacar que a intenção é possibilitar as partes a efetiva execução da obrigacao e a manutenção do equilíbrio contratual, mesmo quando o contrato se prolongar por extenso período de tempo. Uma das técnicas utilizadas para alcançar estes objetivos foi a aplicação de cláusulas revisionais e exoneratórias de responsabilidade, que possibilitam as partes contratantes reavaliar as obrigações contraídas e suas condições de execução, na ocorrência de fatos que modifiquem substancialmente as circunstâncias iniciais do contrato, alterando o seu equilíbrio de forma que o cumprimento se tome impossível ou extremamente oneroso. O presente estudo tem como objeto uma dessas cláusulas: a de hardship, cláusula revisional fundada na onerosidade patrimonial excessiva. A cláusula de hardship e permeada de controvérsias, que se iniciam já em sua origem, prolongam-se na sua relação com o secular princípio do pacta sunt servanda e desemboca na sua estruturação prática no contrato, tornando seu estudo incontestavelmente importante e complexo. Nesse trabalho, busca-se traçar o perfil da cláusula de hardship, desde sua origem e daí a importância de breves apontamentos sobre a cláusula  rebus sic stantibus, Teoria da Imprevisão e demais instrumentos jurídicos que lhe serviram de embasamento, demonstrando a sua relevância para a manutenção do equilíbrio das relações contratuais internacionais. Assim, num primeiro momento será desenvolvido o estudo dos principais princípios informadores do contrato internacional, seguido da análise de sua conformação com a Teoria da Imprevisão e da cláusula rebus sic stantibus, precursoras das clausulas exoneratórias de responsabilidade. Sequencialmente serão apresentados os elementos formadores da cláusula de hardship e sua relação com outras cláusulas também aplicadas nos contratos internacionais, como a cláusula de Força Maior, com princípios informadores dos contratos, como o pacta sunt servanda, culminando na compreensão da verdadeira atuação desta cláusula na conservação do equilíbrio dos contratos internacionais. Reitere-se que não se assoberba este trabalho ao ponto de esgotar o assunto, que por sua complexidade comporta incontáveis enfoques totalmente diversos do que aqui será aplicado. Mas anseia, através do enfoque científico, apresentar novas contribuições ao estudo do tema, demonstrando sua importância nas relações contratuais internacionais. 2   O  PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUSCOMO FORMADORES DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS 2.1   O princípio da força obrigatória do contrato e o princípio da autonomia da vontade O princípio da força obrigatória do contrato, também denominado pacta sunt servanda, consiste no pressuposto de que o avençado pelas partes deverá ter seu estrito cumprimento, como forma de preservação da vontade das mesmas, que presumidamente e livre e consciente no momento da celebração do mesmo. No Direito Romano não há uma concepção substancial de contrato enquanto categoria geral e abstrata, uma vez que os romanos, nas palavras de Alvaro Villaça Azevedo’, “não aceitavam uma categoria geral dos contratos, dado que toda a sistemática contratual romana tinha como único  fundamento a. tipicidade”. Entretanto, conheciam o contrato enquanto operação, econômica, com força de lei entre as partes contratantes, sendo que o princípio do pacta sunt servanda reinava absoluto. Nesse sentido, segundo o paradigma romano, os contratos existiam para serem cumpridos sem interferência de terceiros ou do Estado. O referido princípio teve seu apogeu no liberalismo econômico meandros do seculo XVIII, momento em que imperava individualismo extremo, e em que se rechaçava qualquer atuação intervencionista, mesmo quando em busca de um bem comum maior, ou proveniente de parte alheia a que compunha a obrigação. Instituído em frontal contraposição ao Estado Absolutista, o Estado Liberal tinha como argumento de força, primeiramente, resguardar o indivíduo em face do Estado. Assim, é característico nesta época um Estado com poderes limitados, sobressaindo-se os direitos individuais e políticos e a defesa da livre iniciativa, livre concorrência e não-intervenção do Estado nas relações privadas. Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, condensa em poucas palavras a argumentação da linha de pensamento

O princípio da dignidade da pessoa humana: uma leitura da efetividade da cidadania e direitos humanos por meio dos desafios frente à globalização
Artigos Acadêmicos, Direito Internacional

Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo

Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo   Revista Mestrado em Direito Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br Érica Barbosa Joslin ericajoslin@hotmail.com   Resumo Este artigo pretende apresentar uma reflexão jurídica sobre a relação entre comércio internacional e meio ambiente, sob a perspectiva do Estado constitucional cooperativo, princípio da solidariedade e o direito ao desenvolvimento sustentável. Sob tal ótica são apresentados os princípios e normas da OMC com destaque para a exceção ambiental ao livre comércio e sua respectiva aceitação como medida justificável de tutela da vida e da saúde de todos. Por fim trazemos à baila o caso da gasolina dos Estados Unidos e dos pneus reformados: Brasil versus UE, justamente por suas implicações no meio ambiente e no direito ao desenvolvimento dos Estados, especialmente considerando as peculiaridades do bloco regional do Cone Sul (Mercosul) em relação aos compromissos econômicos assumidos na OMC. Dentro desta perspectiva, também completaremos nosso objetivo ao abordarmos as relações do Mercosul, intrabloco e com terceiros países. Palavras-chaves: Comércio Internacional; Meio Ambiente; Estado Constitucional Cooperativo; Solidariedade e Desenvolvimento Sustentável. Abstract This article aims at presenting a legal reflection on the relationship between international trade and environment, from the perspective of the Cooperative Constitutional State, solidarity principles and the right to sustainable development. From such a perspective, the principles and rules of the WTO are presented, with emphasis on the environmental exception to free trade and its acceptance as a justifiable measure of life tutelage and health for all. Finally, we bring into view the issues of gasoline in the United States and retread tyres: Brazil vs. EU, precisely because of its implications on the environment and on the right to the development of States, especially considering the peculiarities of the Southern Cone regional bloc in relation to economic commitments made at the WTO. Within this perspective, we will also complete our goal as we address the relationship of Mercosur, intra-bloc and with other countries. Keywords: International Trade, Environment, Cooperative Constitutional State, Solidarity and Sustainable Development Introdução O presente trabalho consiste numa análise reflexiva acerca de um tema extremamente relevante e em voga no momento, qual seja, a relação entre o comércio internacional e a tutela do meio ambiente. Nesse sentido, iniciaremos expondo os objetivos da Organização Mundial do Comércio, assim como procuraremos apontar dentre esses objetivos aqueles que visam a uma harmonização entre comércio e meio ambiente na perspectiva do Estado Constitucional Cooperativo. Da mesma maneira buscaremos apontar os princípios que norteiam a OMC, como o comércio sem discriminação, o acesso a mercados e o tratamento nacional para, enfim, correlacionarmos tais princípios com a importantissima questão da proteção do meio ambiente por intermédio de um desenvolvimento sustentável. Ademais, não nos furtaremos de um estudo mais minucioso sobre as barreiras não-tarifárias ambientais e a caracterização ou não do dumpingecológico diante de casos concretos, escolhidos para facilitarmos uma maior visualização dos temas teóricos Objetivamos ainda estudar a perspectiva integrativa entre comércio internacional e meio ambiente, que se tornou indissociável diante dos chamados direitos humanos de terceira geração (direitos de solidariedade), consistente na racionalização do uso dos meios ambientais em busca do desenvolvimento econômico associado a uma melhor qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Por fim, apresentaremos dois casos levados ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC envolvendo o tema “proteção ao meio ambiente”, quais sejam: (i) Estados Unidos: Normas para gasolina reformulada e convencional e (ii) Proibição do Brasil de importação de pneumáticos reformados provenientes da União Europeia no sistema da OMC, relacionando-os com o tema central deste estudo, com o objetivo de demonstrar a complexidade do tema, bem como a necessidade de uma nova teoria geral do Estado que aproxime especialmente o direito internacional público e o direito constitucional, haja vista os interesses difusos, comunitários e universais, além do atual paradigma de solidariedade internacional, cunhado internacionalmente a partir da criação da organização das Nações Unidas e a consequente Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. 1. Histórico Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), líderes das então potências mundiais, se reuniram em Bretton Woods a fim de encontrarem uma solução para a difícil situação do pós-guerra. Neste encontro se criou o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), instituições econômicas voltadas para a reconstrução das nações devastadas pela guerra. Mais tarde, em 1947, foi celebrado também o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), cujo objetivo era a retomada do crescimento econômico mundial pela liberalização do comércio, principalmente por meio da redução de tarifas alfandegárias. O GATT, precursor da OMC, foi desenvolvido em rodadas de negociações, sendo que a primeira foi a Rodada Genebra (1947). Da primeira à quinta rodada, também em Genebra (1960-1961), o tema tratado foi basicamente a redução tarifária. Por sua vez, na sexta rodada (Rodada Kennedy, 1964-1967) além do tema recorrente, foram discutidos outros, como as medidas antidumping. Já a sétima rodada (Rodada Tóquio, 1973-1979) teve como novidade as medidas não-tarifárias e os acordos de base, ou seja, as medidas de liberalização do comércio internacional pautadas no princípio da não-discriminação e concretizadas pelos instrumentos do acesso a mercados, cláusula da nação mais favorecida, e tratamento nacional, conforme veremos mais adiante. A oitava rodada (Rodada Uruguai, 1986-1994), apresentou-se como multitemática, abordando uma série de questões do comércio internacional, tais como, (i) a redução tarifária, (ii) as medidas não-tarifárias, (iii) os serviços, (iv) a propriedade intelectual, (vi) a resolução de disputas, (vii) os têxteis, (viii) a agricultura, e (ix) a criação da OMC [01]. A Rodada Uruguai representou a mais ampla negociação comercial até então conhecida no âmbito do GATT-47, envolvendo 123 (cento e vinte e três) países e quase todos os aspetos do comércio mundial de bens, serviços e propriedadeintelectual; além da fundamental criação de uma organização internacional que abrangesse todos esses temas, qual seja, a OMC (Organização Mundial do Comércio). Todos os países contratantes do GATT-47 puderam fazer parte da OMC como membros originários no dia de sua entrada em vigor, isto é, em 1º de janeiro de 1995. Observe-se, todavia, que esse dispositivo também se aplica à Comunidade Europeia embora ela não fosse, na época, parte

A Decisão do STF na ADPF 153 (Lei de Anistia)
Artigos Acadêmicos, Direitos Humanos

A Cidadania Regional Americana e o Ordenamento Jurídico

A Cidadania Regional Americana e o Ordenamento Jurídico A tríade cidadania, direitos humanos fundamentais e dignidade humana representa o mínimo para que esse discurso passe a ser uma realidade concreta no mundo Revista Diálogos & Debates Por: Vladmir Oliveira da Silveira e Vanessa Toqueiro Ripari Dada a importância e a confluência entre globalização e cidadania hoje, principalmente coma ampliação da tutela dos direitos humanos fundamentais, resgataremos neste artigo o significado inicial, elucidando algumas mudanças que os conceitos de Estado e de cidadania vêm sofrendo conjuntamente a partir do alargamento e alcance atual dos direitos humanos. Analisaremos ainda a problemática da aceitação da soberania compartilhada por meio do Estado Constitucional Cooperativo para a efetiva compreensão e reflexão deste novo momento histórico, que por sua vez requer uma ação coordenada e solidária. Como reflexo do atual paradigma, emerge o conceito de cidadania pluritutelada, reconhecendo-se verdadeiramente a plena efetivação, a concretização e, acima de tudo, seu alcance universal, que Hannah Arendt resumiu como “o direito a ter direitos”. Sejam nacionais (fundamentais-estatais), regionais (comunitários-humanos) e universais (globais-humanos).   O ESTADO-NAÇÃO E A  CIDADANIA O período conhecido como Idade Média, em que predominou o sistema feudal, caracterizava-se politicamente pela fragmentação do podei de governo em diversos feudos e ficou marcado por lutas contra os abusos do poder instaurado. Marcelo Neves, no livro Trans constitucionalismo (São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2009), explica essa relação hierárquica ao discorrer sobre a formação social pré-modema: “Como a sociedade se confundia com a própria organização política territorial, a distinção inclusão/exclusão identificava-se com a diferença membro/ não membro. O conceito de pessoa, associado à semântica moderna da individualidade, não estava presente, uma vez que não se distinguia claramente entre homem e sociedade-organização. Não havia limitações jurídico-positivas relevantes ao soberano no exercício do jus-imperium, ou seja. Limitações normativas estabelecidas e impostas por outros homens à sua ação coercitiva. Nesse contexto, pode-se falar de uma subordinação do direito ao poder. A subordinação do jurídico ao político, em uma  formação social na qual o poder está no centro da sociedade, leva a uma relação assimétrica entre o poder superior e o poder inferior ou entre o soberano e os súditos”. Com efeito, a ideia de cidadania era limitada, pois os senhores feudais exerciam o poder em seus territórios de forma quase ilimitada, numa relação de  suserania e vassalagem em que mesmo os servos obedientes não podiam participar dos destinos do feudo. Mas aos poucos a Europa presenciou o processo político de centralização e absolutização do poder na direção do Estado Moderno absolutista, autoritário e concentrado em regra,nas mãos de uma única pessoa- o  rei, que  titularizou o poder absoluto sobre o Estado. Em decorrência, o povo era desprovido de participação política, não cabendo falar, portanto, em cidadania no sentido moderno do termo. Iniciou-se assim uma nova época (a Idade Moderna) e os Estados se formaram em,  consequência da união de dois atores: o rei e a burguesia. O longo período entre o século XVI e o século  XVIII foi marcado por importantes movimentos filosóficos, sociais e jurídicos, permitindo o surgimento de um novo tipo de Estado: o Estado-Nação, inicialmente na versão-de Estado de Direito. O Estado de Direito irá se desenvolvendo, a partir dessa versão inicial, aliado ao processo dinamogênico, que fará com que ele passe à ser um Estado Social de Direito e, finalmente, um Estado Social democrático de Direito. O Estado Nação, convém observar, decorreu do conceito de Estado da Razão, fruto do Iluminismo. O intuito de individualizar cada grupo com uma cultura, língua própria, costumes também adveio dessa noção de Estado. Estabeleceu-se a ideia de que a pertença do indivíduo atal estrutura lhe confere segurança, aceitação e referência civilizacional. Sendo assim, pode-se dizer que o Estado-Nação se afirmar por meio de uma ideologia e por um aparato jurídico próprios, capazes de impor uma soberania sobre um povo num dado território, com moeda única e exército nacional. A principal característica do Estado de Direito é justamente a de que todos têm direitos iguais perante a Constituição. Percebe-se, assim, uma notável mudança no conceito de cidadania. Por um lado trata-se do mais avançado processo democrático que a humanidade já conheceu; por outro, tal processo implicou a exploração e dominação do capital, ao mesmo tempo que tornou a cidadania um conceito individualizado que alcança apenas o Estado Constitucional Nacional. Norberto Bobbio, ao discorrer no livro A Era dos Direitos sobre o significado filosófico-histórico de inversão, característico da formação do Estado moderno e que ocorreu na relação entre Estado e cidadãos, conclui que: “Passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente pelo ângulo do soberano, e sim pelo do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional”. Pode-se dizer que ocorreu a ampliação dos direitos na passagem do homem abstrato ao homem concreto, por meio de um processo de reconhecimento de direitos e de proteção ao indivíduo, agora cidadão. A cidadania “fechada”, de origem grega, evoluiu para uma cidadania aberta ou compartilhada, não apenas para novos indivíduos, mas também para novos direitos. Exatamente por isso, ao analisar a condição dos apátridas nos regimes totalitários que antecederam a Segunda Guerra Mundial, Hannah Arendt afirmava (no livro Origens do Totalitarismo) que a real cidadania que devemos buscar deve ser fundada na proteção universal, sem determinar raça, cor ou sexo: “A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade perante a lei ou da liberdade de opinião (…) mas do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas de não existirem mais leis para eles”. Ao analisar o papel do Estado na atualidade, emerge a necessidade da construção de uma via que afirme a globalização sem relegar o ser humano ao papel de mero ingrediente do regime econômico e dependente da tutela exclusiva do Estado. As atuais relações internacionais não mais permitem estruturas estanques de Estados fechados, desconectadas dos valores compartilhados pela comunidade internacional, como ocorria na época do Estado Constitucional Nacional. O paradigma dos direitos de solidariedade demanda um Estado “aberto” à cidadania. Assim, essa nova cidadania pela qual se clama também não pode ser alcançada nos moldes do tradicional Estado nacional homogeneizante, dominador (imperialista) e negador das diferenças, mas deve caracterizar-se por um conteúdo mais abrangente e sempre com pluralidade jurídica e de tutela. Torna-se imperioso por isso o reconhecimento de uma cidadania pluritutelada e, portanto, nacional, regional e universal, que assegure em diferentes partes do globo o “direito a ter direitos”, na célebre expressão de Hannah Arendt,

Os contratos na perspectiva humanista do Direito: o nascimento de uma nova teoria geral dos contratos
Artigos Acadêmicos, Direitos Humanos

Os contratos na perspectiva humanista do Direito: o nascimento de uma nova teoria geral dos contratos

Os contratos na perspectiva humanista do Direito: o nascimento de uma nova teoria geral dos contratos Clique aqui para acessar   Centro Universitário de Maringá Programa de Pós Graduação em Direito. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado Autor: Vladmir Silveira   Introdução O presente trabalho procura trazer um estudo, assim como propor uma reflexão, acerca da influência dos direitos humanos nas relações contratuais, partindo da perspectiva clássica da força obrigatória dos contratos, designadamente pelo princípio do pacta sunt servanda, evoluindo para o reconhecimento da necessidade da presença da boa-fé na exteriorização da vontade que motiva a relação contratual, passando pela Revolução Industrial e conseqüente fortalecimento o capitalismo liberal e do individualismo, até se alcançar a perspectiva social e solidária dos contratos e o reconhecimento de novo modelo de contrato, firmado principalmente pela necessidade humana de consumo, o que levou à massificação das relações contratuais, assim como ao dirigismo Estatal para tutela dos interesses da parte mais fraca da relação. Nessa perspectiva procuramos desenvolver tanto o conceito de contrato tradicional e suas conseqüências jurídicas, especialmente no que tange aos vícios da vontade; assim como buscamos apresentar a idéia de contrato contemporâneo e o novo conceito de contrato pela ótica do solidarismo Constitucional. Pretendemos levantar o debate de temas atuais relacionados aos contratos, mas sem a pretensão de esgotá-los, como a crise dos contratos; o princípio da autonomia da vontade e seu confronto com o princípio da autonomia privada; e o diálogo das fontes. Por fim, será abordada a chamada nova teoria geral dos contratos no que tange à releitura do princípio da boa-fé, hoje definido como boa-fé objetiva; assim como o princípio da função social e solidária dos contratos como limite da liberdade contratual. 2. Formação histórica e pressupostos ideológicos dos contratos A reconhecida interdisciplinaridade dos estudos jurídicos com outras ciências humanas, especialmente a Social, a Política e a Economia, assim como a evolução histórica dos direitos humanos, a partir do que se concebeu uma nova perspectiva à dignidade da pessoa humana pelo processo da dinamogenesis[1][2], conferiu ao contrato uma nova roupagem, pela superação da idéia de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse sua condição social. Nessa perspectiva, destacamos primeiramente o conceito de contrato conforme ensinamento da Escola de Pandectas, que adota o modelo codificado, pela qual contrato é uma categoria geral e abstrata que, segundo as regras da lógicaformal, pode ser reduzido à unidade no sistema conceitual. Tal sistema assemelha-se a uma pirâmide, que no topo contém um conceito geral ao qual se reduzem os demais conceitos abaixo subseqüentes, como subtipos daquele conceito generalístico.[3] Segundo Puchta[4], é tarefa do jurista a conexão lógica dos conceitos, que formará a consciência sistemática pela percepção do sentido ascendente dos conceitos identificados por intermédio dos termos médios que integram sua formação. Na escala da genealogia dos conceitos, o conceito de contrato sobe ao negócio jurídico, e daí para o fato jurídico, formando uma pirâmide. Nessa perspectiva, contrato seria negócio jurídico bilateral ou plurilateral[5] que por conter todas as características do negócio jurídico formaria um conceito derivado, possuindo todas as características gerais do negócio jurídico e outros elementos especializantes. Em que pese a contribuição da concepção de contrato acima exposta, outras correntes de pensamento também influenciaram na criação de seu conceito atual, dentre as quais se destacam: (i) a corrente de pensamento dos canonistas e (ii) a Escola do Direito Natural. A corrente de pensamento canonista ficou marcada pela substancial relevância atribuída ao consenso e à fé jurada na formação do contrato e obrigações dele decorrentes. Importa destacar que a corrente canonista significou um marco, pois foi a partir daí que se abriu caminho para os princípios da autonomia da vontade e do consensualismo[6]. Sob tal ótica, para a criação da obrigação, necessária e suficiente seria a declaração da vontade, desde que aliada ao dever de veracidade, valorizando-se com isso a palavra dada e reconhecendo-se sua respectiva aptidão para criar o vínculo obrigacional, assim como a necessidade de seu cumprimento. Nesse contexto, independente da forma do pacto, caberia ao direito assegurar a força obrigatória dos contratos como mecanismo jurídico de tutela dos valores envolvidos na relação contratual sempre que verificada a vontade livre e a fé jurada. Por outro lado, para a Escola do Direito Natural – racionalista e individualista –, o fundamento do nascimento das obrigações se encontra na vontade livre dos contratantes. Portanto, da mesma forma que a corrente de pensamento dos canonistas, a Escola do Direito Natural valorizava o consenso e o dever de veracidade, que é de direito natural. O diferencial está na forte carga individualista desta linha de pensamento, fruto da ideologia dominante na época de sua cristalização, revelada pela influência do regime capitalista de produção nos planos econômico, político e social, marcando o jusnaturalismo pelo individualismo, ou seja, pela superestimação do papel do indivíduo. Nesse sentido, com a acentuação do capitalismo, que tem sua base filosófica em Locke, maior importância se deu ao individualismo como reflexo da Revolução Industrial, acarretando a concentração de riquezas nas mãos do poder econômico privado, sendo, a partir daí, o direito de propriedade considerado um direito natural, protegido contra as forças do Estado como forma de garantir o abuso do poder político. De fato, o capitalismo funda-se nas liberdades individuais – liberdades negativas de primeira dimensão – em especial a propriedade privada. Por outro lado, reconhecendo-se no capitalismo um direito humano, qual seja o direito de propriedade, abre-se margem à interpretação do capitalismo na perspectiva humanista dos direitos, em todas as suas dimensões. É nesse sentido que se fala atualmente em capitalismo humanista, conforme defende o Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Ricardo Hasson Sayeg, afirmando que “o espírito capitalista e o espírito de fraternidade são convergentes na medida em que não existe capitalismo sem que se reconheçam os direitos humanos. E conclui dizendo que “o que é certo é que os direitos humanos com todas as suas dimensões configuram um feixe indissociável, não cabendo se reconhecer uns e excluir outros.[7] Dentro desta perspectiva, ensina Willis Santiago Guerra Filho: […] Mais importante, é que os direitos gestados em uma geração,

Direito Penal Mínimo e Direitos Humanos na Política Criminal de Eugenio Raul Zaffaroni
Artigos Acadêmicos, Direitos Humanos

Direito Penal Mínimo e Direitos Humanos na Política Criminal de Eugenio Raul Zaffaroni

Vladmir Oliveira da Silveira Samyra Naspolini Sanches Resumo O presente artigo tem como tema a proposta de política criminal denominada Direito Penal Mínimo na obra do penalista e criminólogo argentino Eugenio Raul Zaffaroni, a qual se baseia nos Direitos Humanos como fio condutor. O autor parte da ideia de que o sistema penal, em especial os sistemas penais latinoamericanos, encontram-se deslegitimados e estruturalmente impossibilitados de cumprir as funções úteis que legitimam sua existência. Sua posição minimalista postula, a longo prazo, a abolição do sistema penal, mas admite que essa abolição deva passar necessariamente, a curto e médio prazos, de um lado, por uma profunda transformação do sistema penal, através de processos de descriminalização e de redução da pena e, de outro lado, pela reformulação do Direito Penal, utilizando-o como um instrumento contra a violência do próprio sistema penal. Para tanto, o autor recupera algumas garantias liberais do Direito Penal e utiliza-se dos Direitos Humanos, principalmente os enunciados na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, como base fundamental de suas propostas, para adequar a atuação do sistema penal para que esta, além de não os violar, encontre neles seu limite. O objetivo do artigo é o estudo aprofundado da política criminal do autor, buscando responder o que vem a ser e quais os fundamentos do “minimalismo penal” de Eugenio Raul Zaffaroni, e demonstrar que ele apresenta-se como uma tendência político-criminal apta a responder à deslegitimação do sistema penal. Por tratar-se de estudo descritivo, a presente pesquisa foi desenvolvida, utilizando-se do método indutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica. Sua teoria de base é a Criminologia Crítica, uma vez que é a teoria criminológia a que se filia Zaffaroni. Conclui-se que o Minimalismo Penal revela-se como um empreendimento radical de transformação do sistema penal e da sociedade, propiciando   a possibilidade de identificar formas mais democráticas e criativas para a real solução dos conflitos, e não somente para a sua repressão. Palavras-chave:   Minimalismo Penal; Direitos Humanos; Eugenio Raul Zaffaroni; Sistema Penal. Abstract This actual article focuses on the proposed Criminal Policy called Minimum Criminal Law written by the Argentinian criminalist and criminologist Eugenio Raul Zaffaroni, which is based on the Human Rights as the common thread. The author expresses that the criminal justice system, especially the Latin American penal systems, are delegitimized and structurally unable to fulfill the useful functions that legitimize their existence. His minimalist position proposes, in a long term plan, the abolition of the penal system, but he admits that this abolition must pass necessarily, in a short and medium term, on one hand through a profound transformation with the decriminalization and the reducing of sentence, and on the other hand, the reformulation of the Criminal Law, to be used as a tool against violence with the law itself. However, the author recovers some liberal assurances from the Criminal Law and uses the Human Rights, especially those contained in the American Convention on Human Rights of 1969, as the foundation of his proposals to adjust the performance of the criminal justice system, not violating them, and also finding its limits.. The aim of the article is the deep study of the author’s criminal policy, seeking to answer what comes to be and which are the fundamentals of “criminal minimalism” for Eugenio Raul Zaffaroni and demonstrate that it shows itself as a political criminal trend able to respond to the illegitimacy of the penal system. As this a descriptive study, the actual research was developed using the inductive method and bibliographic research, its basic theory is the critical criminology that is the Zaffaroni’s theory. Concluding, the Criminal Minimalism reveals itself as a radical Criminal System and Society change, providing the possibility to look for more democratic and creative ways as solution for these conflicts and not only for the repression. Keywords: Criminal Minimalism; Human Rights; Eugenio Raul Zaffaroni; Criminal System.   Sumário Introdução. 1 O Realismo Marginal Criminológico. 2 O Minimalismo Penal. 3 Princípios de Direito Penal Mínimo. 3.1 Princípios para a Limitação da Violência por Carência de Elementaríssimos Requisitos Formais. 3.1.1 Princípio de reserva legal ou de exigência máxima de legalidade em sentido estrito. 3.1.2 Princípio de máxima taxatividade. 3.1.3 Princípio da irretroatividade. 3.1.4 Princípio da máxima subordinação à lei penal substantiva. 3.2 Princípios para a Limitação da Violência por Exclusão de Pressupostos de Disfuncionalidade Grosseira para os Direitos Humanos. 3.2.1 Princípio da limitação máxima da resposta contingente. 3.2.2 Princípio de lesividade. 3.2.3 Princípio da mínima proporcionalidade. 3.2.4 Princípio do respeito mínimo à humanidade. 3.2.5 Princípio de idoneidade relativa. 3.2.6 Princípio limitador da lesividade à vítima. 3.2.7 Princípio de transcendência mínima da intervenção punitiva. 3.3 Princípios para a Limitação da Violência por Exclusão de Qualquer Pretensão de Imputação Pessoal em Razão da sua Notória Irracionalidade. Conclusão. Referências. Introdução O presente artigo tem como tema a proposta de política criminal denominada Direito Penal Mínimo na obra do penalista e criminólogo argentino Eugenio Raul Zaffaroni, que tem nos Direitos Humanos seu fio condutor. O autor parte da ideia de que o sistema penal, em especial os sistemas penais latinoamericanos, encontram-se deslegitimados e estruturalmente impossibilitados de cumprir as funções úteis que legitimam sua existência. Sua posição minimalista postula, a longo prazo, a abolição do sistema penal, mas admite que essa abolição deva passar necessariamente, a curto e médio prazos, de um lado, por uma profunda transformação do sistema penal, através de processos de descriminalização e de redução da pena e, de outro lado, pela reformulação do Direito Penal, utilizando-o como instrumento contra a violência do próprio sistema penal. Os Princípios de Direito Penal Mínimo, enunciados por Zaffaroni, revelam-se, portanto, como estratégias de contração do sistema penal, visando conter a violência na qual se manifesta seu exercício de poder. Para tanto, o autor recupera algumas garantias liberais do Direito Penal e utiliza- se dos Direitos Humanos, principalmente dos enunciados na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, como base fundamental de suas propostas, para adequar a atuação do sistema penal para que esta, além de não violá-los, encontre neles seu limite. A justificativa para o artigo é o

O Princípio da Proporcionalidade e a preferência dos precatórios alimentícios
Artigos Acadêmicos, Direito do Servidor Público

O Princípio da Proporcionalidade e a preferência dos precatórios alimentícios

Autor: Vladmir Oliveira da Silveira Revista do Advogado –  Associação dos Advogados de São Paulo – AASP Ano XXXI – Nº 111 –  Abril de 2011. Sumário Introdução Breve histórico do regime de precatórios na CF 11988 e a problemática da preferência dos alimentícios. A preferência dos precatórios alimentícios e o Princípio da Proporcionalidade após a EC n° 62/2009 Conclusão Bibliografia   Introdução Quando se tem uma decisão judicial que tran­sitou em julgado contra a Fazenda Pública, a or­dem de pagamento e feita por meio de precatório. Desse modo, o Poder Público sofrerá uma execu­ção com obrigação de pagar, consoante os requisitos estabelecidos no art. 100 da Constituição Fe­deral de 1988 (CF/1988). A Fazenda Pública, por sua vez, estará obrigada a incluir no orçamento do ano seguinte valor suficiente para arcar com suas dívidas ­ ou seja, deverá incluir neste cálculo a totalidade dos requisitórios de precatórios daquele período. A problemática do precatório surgiu em torno da inadimplência do Poder Público. A ocorrência é antiga, mas alcançou patamares absurdos nos últimos anos anos, principalmente após a Emenda Constitucional   n° 30/2000, e é enfrentada por milhares de credores brasileiros, mormente no caso dos precatórios alimentares, de diversas esferas do Poder Público  e, por ironia, dos entes mais ricos da federação, como o governo do Estado de São Paulo. Constitui fato notório que muitos desses entes não vêm cumprindo suas obrigações, o que tem gerado acúmulo imenso de dívidas, tornando­-se cada vez mais difícil a regularização dos pagamentos. Atrelado a este efeito, verificamos o aumento rápido no número de intervenções legislativas desde a CF/1988, para instituir parcelamentos cada vez maiores. A problemática do precatório surgiu em torno da inadimplência do Poder Público. Em 1988, nossa CF, de maneira originária, previu o primeiro parcelamento dos débitos então existentes, no prazo de oito anos. Após 12 anos, a Emenda Constitucional nº 30/2000 estabeleceu novo parcelamento, de que foram excluídos os precatórios alimentares, mas, mesmo assim, foi necessário prazo ainda maior. Já em 2009, a Emenda Constitucional n° 62 ­ apenas nove anos após a Emenda anterior e sem se esgotar ainda o parcelamento anterior de dez anos ­ instituiu o prazo de 15 anos para parcelarnento de precatórios. Nessa esteira, não é exagero prever que em 2015 podemos ter nova intervenção legislati­va, provavelmente ampliando o prazo para pagamento destes precatórios em 20 ou 30 anos, se o paradigma de análise do problema não for alterado. Assim, nao resta dúvida de que o modo pelo qual temos enfrentado este sério problema deve ser revisto, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que possui instrumentos reais para tanto. Embora se possa levantar uma série de questões específicas dentro do tema precatórios, nos valeremos de uma delimitação temática no contexto estabelecido nesta coletânea abordando especificamente a ordem de preferência dos precatórios alimentares dentro do sistema de pagamento de precatórios vigente originalmente na CF/1988 e após suas emendas. Para tanto, será tomada por base a doutrina de Robert Alexy sobre a aplicação do Princípio da Proporcionalidade.   2  Breve histórico do regime de precatórios na CF/1988 e a problemática da preferência dos alimentícios O sistema de precatórios, nos termos do art. 100 da CF/1988, repetiu o que era praticado ja antes de seu advento. Por ocasião de uma sentença contra a Fazenda Pública, o pagamento seria feito pela ordem cronológica de apresentação precatório e a conta dos respectivos créditos, As­sim, os precatórios requisitados ate 1 ° de julho seriam pagos até o final do exercício orçamentário seguinte, Nos termos originais da CF/1988, já era obrigatório para as entidades públicas incluir em seu orçamento verba suficiente para quitar suas dívidas de precatórios apresentados até aquela data (art. 100, S 1°). Nesse sentido, o grande garantidor do pagamento desses valores era o orçamento dos entes federados, que deveriam prever verbas para tal finalidade. De maneira simultânea ao sistema constitucional de precatórios promulgado em 1988, surgiu, no art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a primeira prorrogação do pagamento para os pendentes em 1988 ­ que seriam pagos em oito prestações anuais, ressalvados os de caráter alimentar. Com a Emenda Constitucional n° 20, de 1998, foi acrescido o S 3° ao caputdoart. 100, instituindo­ se que o regime de expedição de precatórios não se aplicaria as obrigações definidas em lei como de “pequeno valor”. Em seguida, com o advento da Lei n° 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais da Justiça Federal), ficou estabelecido que créditos de pequeno valor para a União seriam aqueles iguais ou inferiores a 60 salários mínimos. Com a Emenda Constitucional n° 37/2002 foi defini­do que, para efeito de dispensa da expedição do precatório, os débitos deveriarn atingir no máximo 30 salários mínimos  no caso dos municípios, podendo alcançar 40 salários mínimos no caso dos Estados. Nos termos do art. 100, S 4°, da Emenda Constitucional n° 62/2009, os valores, apesar de distintos para as entidades de Direito Público,  vem obedecer ao mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral da previdência social. Em 2000, a partir da Emenda Constitucional n° 30, foi incluído também o 1°­A, que definiu os débitos de caráter alimentício. 2 É relevante para nosso estudo notar que, com o advento da Emenda Constitucional n° 30/2000, surgiu outro parcelamento compulsório para os precatórios pendentes. Nos termos do art. 78 do ADCT: “Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos”. Com o advento da Emenda Constitucional n° 30/2000, surgiu outro parcelamento compulsório para os precatórios pendentes. Os precatórios pendentes na data de promulgação da Emenda e os que decorriam de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, portanto, foram sendo pagos em prestacdes anuais no prazo

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