Professor Vladmir Silveira

Direito Internacional

O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica
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O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica

O conflito brasil-bolívia: a gota d’água da política externa ideológica   Revista Diálogos & Debates Por Vladmir Silveira No contexto mundial da globalização, assistimos a um ato despropositado do Governo Boliviano que põe em xeque não apenas a liderança brasileira no Cone Sul, mas também a maturidade político-econômica da região. “Nós, latino-americanos, não estamos satisfeitos com o que somos, mas ao mesmo tempo não conseguimos chegar a um acordo sobre o que somos, nem sobre o que queremos ser.” (Carlos Rangel). As relações internacionais vêm sofrendo rápidas e profundas transformações desde o fim da guerra fria. São visíveis duas grandes tendências, aparentemente contraditórias, convivendo no sistema mundial. Se por um lado presenciamos uma forte tendência à globalização, de outro verificamos também alguns impulsos no sentido da fragmentação do Estado. A globalização é um processo antigo de aproximação e conciliação entre os Estados, principalmente no campo econômico. Limitada durante a guerra fria por causa da divisão do mundo em dois blocos antagônicos, o processo foi intensificado logo após a dissolução do conflito ideológico. Assim, na área econômica, impulsionada pelas oportunidades de lucro e acumulação de capital, assistimos à internacionalização da produção e a mundialização dos processos econômico-financeiros. Esses fenômenos manifestaram-se, em grande medida, pela intensificação do comércio internacional de bens e serviços, dos investimentos externos diretos, do comércio de tecnologia e de outras relações contratuais, promovida pela queda de barreiras alfandegárias e outras medidas protecionistas. As conseqüências da globalização A derrocada do bloco socialista não significou o avanço irrestrito do processo de globalização. A tendência à fragmentação continua presente no cenário internacional, como observamos na luta basca, catalã e montenegrina – para ficarmos apenas com exemplos europeus. Ela se apresenta como uma resistência a esse processo, ao buscar a preservação da identidade local, na maioria das vezes relacionando- a com a defesa de setores específicos da sociedade, com manifestações de afirmações étnicas e de outros tipos de unidade nacional, tais como a língua e a cultura. E não poderia ser diferente, tendo em vista que o atual modelo em transição baseia-se em unidades autônomas da coletividade, batizadas de Estados-Nação. Ressalte-se que esse sistema em vigor é fundamentado na clássica Teoria Geral do Estado e pauta-se no conceito de soberania para regular as relações internacionais. Evitando a discussão sobre o melhor conceito de soberania, ou a data de formação dessas entidades, o fato é que a soberania pode ser definida genericamente como o poder que os Estados-Nação gozam de fazer valer a sua vontade (dar a última palavra) legitimamente, dentro do seu território. Portanto, pode-se dizer que o Estado possui, dentro dessa teoria, o monopólio legítimo da força e o direito de prevalecer dentro do seu espaço territorial, que ficou conhecido na literatura política como a razão de Estado (raison d´État). Sendo assim, o Estado soberano, nos séculos XIX e XX, demonstrou grande força e enorme poder de mobilização, no que pese toda a discussão sobre o seu surgimento, origens e objetivos. O ser humano passou a se identificar como membro desses Estados, além dos direitos fundamentais só serem garantidos em virtude do reconhecimento aos seus membros da qualidade de cidadão. Nesse sentido, convém citar a figura dos apátridas, que reflete muito bem o problema e as dificuldades reais existentes àqueles despojados da condição de membro dos Estados, ou seja, cidadão. Ocorre que o fenômeno da globalização, que pode ser evidenciado pela interdependência econômica, pelas políticas econômicas regionais (ou de blocos), pela confecção de produtos industrializados em âmbito mundial, inclusive com a fragmentação da sua produção, acabou por diminuir o protagonismo dos Estados nas relações internacionais. Exatamente por isso, a segunda Convenção de Viena reconheceu também as Organizações Internacionais como sujeitos de Direito Internacional Público. E nesse novo cenário de interdependência, por óbvio, determinados assuntos do ponto de vista jurídico ultrapassaram as fronteiras dos Estados. A América Latina e o regionalismo Como conseqüência desse processo de globalização, nas últimas décadas a política internacional deixou de ser decidida única e exclusivamente pelos Estados. Novos atores, como podem ser as empresas transnacionais,as instituições e organizações internacionais, além das organizações não governamentais, têm participado ou contribuído no processo de tomada de decisões. Com efeito, surgiram complexas imbricações de vulnerabilidade e dependência. Assim, os Estados que anteriormente eram os únicos atores da política internacional já não mais controlam com exclusividade esse cenário. Muito pelo contrário, a maioria dos países não só perdeu a hegemonia, como também se tornou coadjuvante. Num mundo de interdependência, os Estados tornam-se reféns, na maioria dos casos, de uma tríplice escolha. A primeira opção é a busca do isolacionismo. Todavia, como todos os outros estão participando do fenômeno global, isso pode custar sérios problemas sociais, políticos e, principalmente, econômicos. Uma segunda possibilidade seria a tentativa de contenção do problema dentro do seu território, ou seja, dentro de sua área de influência (competência). Ocorre que fatos e acontecimentos recentes têm demonstrado que tal medida possui limites, quando não se verifica a sua inviabilidade prática. Uma terceira tentativa seria uma cooperação internacional, de modo que a segunda opção pudesse ter uma real eficácia. A depressão econômica de 1929 foi uma das primeiras evidências de que a economia nacional não poderia, isoladamente, resolver todas as demandas de desenvolvimento de uma coletividade. Por isso, progressivamente foram-se adotando mecanismos que superavam o sistema de Estados- Nação. Entretanto, imaginar um Estado Global ou Supranacional ainda causa temores e preocupações não só pelas grandes assimetrias econômicas, políticas e sociais existentes, mas também pelos fatos vivenciados no último século. Fatos que demonstraram claramente que o uso irracional e distorcido da cultura, da religião e da ideologia pode se impor como forças determinantes das sociedades e, conseqüentemente, conduzir a humanidade a conflitos fundamentalistas e contrários a dignidade da pessoa humana. Diante dessas preocupações e da irreversibilidade da globalização, o regionalismo apresenta-se como um meio termo entre essas duas tendências. Pela formação de blocos regionais, como a União Européia, os Estados buscam unificar seus mercados, primeiramente em âmbito regional, ganhando assim competitividade para, num segundo momento, caminhar rumo à abertura de sua economia em escala global. No entanto, há que se registrar que a dinâmica da integração regional também pode conduzir à formação de blocos excessivamente fechados, o que implicaria num movimento em direção oposta, ou seja, no sentido da fragmentação. O processo de integração regional, com notável dinamismo nos últimos anos, coloca-se, dessa forma, como uma das questões contemporâneas de maior relevância devido às suas inúmeras e sérias conseqüências, sobretudo para a economia mundial. Para o Brasil, o tema da regionalização assume particular importância pela inserção do país num ambicioso projeto de integração regional – o Mercosul – e, sobretudo, pela intenção constitucional manifestada em 1988, no sentido de buscar integração econômica, política, social e cultural dos povos do continente, visando à formação da comunidade latino-americana de nações. A relação Petrobrás-Bolívia O Estado Boliviano, que há 12 anos exportava pouco mais de 30 milhões

A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional
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A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional

Autor: Vladmir Silveira Revista Autônoma de Direito Privado –  Curitiba – Jurua Editora – 2006 Sumário: 1. introdução – 2. 0 princípio da autonomia da vontade e a cláusula rebus sic stantibus coma formadores dos contratos internacionais – 3. A cláusula de hardship – 4. A cláusula de hardship e a cláusula de força maior – 5. Equilíbrio 11os contratos internacionais – a importância das cláusula de hardship – 6.Conclusão – 7. Referências. Introdução Num exiguo lapso de tempo, tem-se experimentado uma vertiginosa internacionalização das relações sociais, fruto do desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação, de uma realidade concorrencial cada vez mais intensa, exigências de consumo mais complexas e a consequente interligação entre empresas de vários países, em busca de um número maior de mercado consumidor. Desta nova realidade mundial, fortaleceu-se o comércio internacional e, consequentemente, uma nova estrutura jurídica que atenda as suas específicas necessidades. O desenvolvimento do comércio internacional, fundado sobretudo na relação contratual entre pessoas, públicas ou privadas, de diferentes Estados trouxe consigo a polêmica entre regimentos jurídicos diferentes, o conflito entre as leis locais que regem cada uma das partes contratantes, criando verdadeiro impasse quando da elaboração do contrato ou mesmo quando da sua inexecução, Deste embate nasce o direito do comércio internacional, que tem como princípio regente a Autonomia da Vontade e como objetivo precípuo organizar as relações contratuais no âmbito internacional. Intensificando a problemática da ausência de normas que regem as relações internacionais, tem-se a constante transformação do mercado internacional, que por sua própria natureza global é afetado pela mais singela manifestação dos países, mesmo que eles nao sejam parte de uma relação  específica. Em outras palavras, a relação entre duas partes nao se restringe tão-somente à realidade que diretamente lhes envolva, de maneira que fatalidades ocorridas num outro país podem vir a gerar a própria inexecução de um contrato, tornando impossível seu cumprimento. As constantes mutação da realidade internacional, a suscetibilidade dos contratos internacionais a tais transformações e a usual extensa duração de tats contratos, geram uma atmosfera de incertezas e evidente preocupação com os obstáculos que possam surgir e criar dificuldades na execução do contrato, cuja complexidade pode aumentar radicalmente em face do conflito de leis entre as partes contratantes. Nesse contexto, o contrato internacional foi se moldando, ao longo do tempo, para  que se tornasse um instrumento seguro, protegendo as relações internacionais das constantes mutações que as cercam. Mister destacar que a intenção é possibilitar as partes a efetiva execução da obrigacao e a manutenção do equilíbrio contratual, mesmo quando o contrato se prolongar por extenso período de tempo. Uma das técnicas utilizadas para alcançar estes objetivos foi a aplicação de cláusulas revisionais e exoneratórias de responsabilidade, que possibilitam as partes contratantes reavaliar as obrigações contraídas e suas condições de execução, na ocorrência de fatos que modifiquem substancialmente as circunstâncias iniciais do contrato, alterando o seu equilíbrio de forma que o cumprimento se tome impossível ou extremamente oneroso. O presente estudo tem como objeto uma dessas cláusulas: a de hardship, cláusula revisional fundada na onerosidade patrimonial excessiva. A cláusula de hardship e permeada de controvérsias, que se iniciam já em sua origem, prolongam-se na sua relação com o secular princípio do pacta sunt servanda e desemboca na sua estruturação prática no contrato, tornando seu estudo incontestavelmente importante e complexo. Nesse trabalho, busca-se traçar o perfil da cláusula de hardship, desde sua origem e daí a importância de breves apontamentos sobre a cláusula  rebus sic stantibus, Teoria da Imprevisão e demais instrumentos jurídicos que lhe serviram de embasamento, demonstrando a sua relevância para a manutenção do equilíbrio das relações contratuais internacionais. Assim, num primeiro momento será desenvolvido o estudo dos principais princípios informadores do contrato internacional, seguido da análise de sua conformação com a Teoria da Imprevisão e da cláusula rebus sic stantibus, precursoras das clausulas exoneratórias de responsabilidade. Sequencialmente serão apresentados os elementos formadores da cláusula de hardship e sua relação com outras cláusulas também aplicadas nos contratos internacionais, como a cláusula de Força Maior, com princípios informadores dos contratos, como o pacta sunt servanda, culminando na compreensão da verdadeira atuação desta cláusula na conservação do equilíbrio dos contratos internacionais. Reitere-se que não se assoberba este trabalho ao ponto de esgotar o assunto, que por sua complexidade comporta incontáveis enfoques totalmente diversos do que aqui será aplicado. Mas anseia, através do enfoque científico, apresentar novas contribuições ao estudo do tema, demonstrando sua importância nas relações contratuais internacionais. 2   O  PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUSCOMO FORMADORES DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS 2.1   O princípio da força obrigatória do contrato e o princípio da autonomia da vontade O princípio da força obrigatória do contrato, também denominado pacta sunt servanda, consiste no pressuposto de que o avençado pelas partes deverá ter seu estrito cumprimento, como forma de preservação da vontade das mesmas, que presumidamente e livre e consciente no momento da celebração do mesmo. No Direito Romano não há uma concepção substancial de contrato enquanto categoria geral e abstrata, uma vez que os romanos, nas palavras de Alvaro Villaça Azevedo’, “não aceitavam uma categoria geral dos contratos, dado que toda a sistemática contratual romana tinha como único  fundamento a. tipicidade”. Entretanto, conheciam o contrato enquanto operação, econômica, com força de lei entre as partes contratantes, sendo que o princípio do pacta sunt servanda reinava absoluto. Nesse sentido, segundo o paradigma romano, os contratos existiam para serem cumpridos sem interferência de terceiros ou do Estado. O referido princípio teve seu apogeu no liberalismo econômico meandros do seculo XVIII, momento em que imperava individualismo extremo, e em que se rechaçava qualquer atuação intervencionista, mesmo quando em busca de um bem comum maior, ou proveniente de parte alheia a que compunha a obrigação. Instituído em frontal contraposição ao Estado Absolutista, o Estado Liberal tinha como argumento de força, primeiramente, resguardar o indivíduo em face do Estado. Assim, é característico nesta época um Estado com poderes limitados, sobressaindo-se os direitos individuais e políticos e a defesa da livre iniciativa, livre concorrência e não-intervenção do Estado nas relações privadas. Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, condensa em poucas palavras a argumentação da linha de pensamento

O princípio da dignidade da pessoa humana: uma leitura da efetividade da cidadania e direitos humanos por meio dos desafios frente à globalização
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Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo

Comércio internacional e meio ambiente na perspectiva do Estado constitucional cooperativo   Revista Mestrado em Direito Vladmir Oliveira da Silveira vladmir@aus.com.br Érica Barbosa Joslin ericajoslin@hotmail.com   Resumo Este artigo pretende apresentar uma reflexão jurídica sobre a relação entre comércio internacional e meio ambiente, sob a perspectiva do Estado constitucional cooperativo, princípio da solidariedade e o direito ao desenvolvimento sustentável. Sob tal ótica são apresentados os princípios e normas da OMC com destaque para a exceção ambiental ao livre comércio e sua respectiva aceitação como medida justificável de tutela da vida e da saúde de todos. Por fim trazemos à baila o caso da gasolina dos Estados Unidos e dos pneus reformados: Brasil versus UE, justamente por suas implicações no meio ambiente e no direito ao desenvolvimento dos Estados, especialmente considerando as peculiaridades do bloco regional do Cone Sul (Mercosul) em relação aos compromissos econômicos assumidos na OMC. Dentro desta perspectiva, também completaremos nosso objetivo ao abordarmos as relações do Mercosul, intrabloco e com terceiros países. Palavras-chaves: Comércio Internacional; Meio Ambiente; Estado Constitucional Cooperativo; Solidariedade e Desenvolvimento Sustentável. Abstract This article aims at presenting a legal reflection on the relationship between international trade and environment, from the perspective of the Cooperative Constitutional State, solidarity principles and the right to sustainable development. From such a perspective, the principles and rules of the WTO are presented, with emphasis on the environmental exception to free trade and its acceptance as a justifiable measure of life tutelage and health for all. Finally, we bring into view the issues of gasoline in the United States and retread tyres: Brazil vs. EU, precisely because of its implications on the environment and on the right to the development of States, especially considering the peculiarities of the Southern Cone regional bloc in relation to economic commitments made at the WTO. Within this perspective, we will also complete our goal as we address the relationship of Mercosur, intra-bloc and with other countries. Keywords: International Trade, Environment, Cooperative Constitutional State, Solidarity and Sustainable Development Introdução O presente trabalho consiste numa análise reflexiva acerca de um tema extremamente relevante e em voga no momento, qual seja, a relação entre o comércio internacional e a tutela do meio ambiente. Nesse sentido, iniciaremos expondo os objetivos da Organização Mundial do Comércio, assim como procuraremos apontar dentre esses objetivos aqueles que visam a uma harmonização entre comércio e meio ambiente na perspectiva do Estado Constitucional Cooperativo. Da mesma maneira buscaremos apontar os princípios que norteiam a OMC, como o comércio sem discriminação, o acesso a mercados e o tratamento nacional para, enfim, correlacionarmos tais princípios com a importantissima questão da proteção do meio ambiente por intermédio de um desenvolvimento sustentável. Ademais, não nos furtaremos de um estudo mais minucioso sobre as barreiras não-tarifárias ambientais e a caracterização ou não do dumpingecológico diante de casos concretos, escolhidos para facilitarmos uma maior visualização dos temas teóricos Objetivamos ainda estudar a perspectiva integrativa entre comércio internacional e meio ambiente, que se tornou indissociável diante dos chamados direitos humanos de terceira geração (direitos de solidariedade), consistente na racionalização do uso dos meios ambientais em busca do desenvolvimento econômico associado a uma melhor qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Por fim, apresentaremos dois casos levados ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC envolvendo o tema “proteção ao meio ambiente”, quais sejam: (i) Estados Unidos: Normas para gasolina reformulada e convencional e (ii) Proibição do Brasil de importação de pneumáticos reformados provenientes da União Europeia no sistema da OMC, relacionando-os com o tema central deste estudo, com o objetivo de demonstrar a complexidade do tema, bem como a necessidade de uma nova teoria geral do Estado que aproxime especialmente o direito internacional público e o direito constitucional, haja vista os interesses difusos, comunitários e universais, além do atual paradigma de solidariedade internacional, cunhado internacionalmente a partir da criação da organização das Nações Unidas e a consequente Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. 1. Histórico Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), líderes das então potências mundiais, se reuniram em Bretton Woods a fim de encontrarem uma solução para a difícil situação do pós-guerra. Neste encontro se criou o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), instituições econômicas voltadas para a reconstrução das nações devastadas pela guerra. Mais tarde, em 1947, foi celebrado também o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), cujo objetivo era a retomada do crescimento econômico mundial pela liberalização do comércio, principalmente por meio da redução de tarifas alfandegárias. O GATT, precursor da OMC, foi desenvolvido em rodadas de negociações, sendo que a primeira foi a Rodada Genebra (1947). Da primeira à quinta rodada, também em Genebra (1960-1961), o tema tratado foi basicamente a redução tarifária. Por sua vez, na sexta rodada (Rodada Kennedy, 1964-1967) além do tema recorrente, foram discutidos outros, como as medidas antidumping. Já a sétima rodada (Rodada Tóquio, 1973-1979) teve como novidade as medidas não-tarifárias e os acordos de base, ou seja, as medidas de liberalização do comércio internacional pautadas no princípio da não-discriminação e concretizadas pelos instrumentos do acesso a mercados, cláusula da nação mais favorecida, e tratamento nacional, conforme veremos mais adiante. A oitava rodada (Rodada Uruguai, 1986-1994), apresentou-se como multitemática, abordando uma série de questões do comércio internacional, tais como, (i) a redução tarifária, (ii) as medidas não-tarifárias, (iii) os serviços, (iv) a propriedade intelectual, (vi) a resolução de disputas, (vii) os têxteis, (viii) a agricultura, e (ix) a criação da OMC [01]. A Rodada Uruguai representou a mais ampla negociação comercial até então conhecida no âmbito do GATT-47, envolvendo 123 (cento e vinte e três) países e quase todos os aspetos do comércio mundial de bens, serviços e propriedadeintelectual; além da fundamental criação de uma organização internacional que abrangesse todos esses temas, qual seja, a OMC (Organização Mundial do Comércio). Todos os países contratantes do GATT-47 puderam fazer parte da OMC como membros originários no dia de sua entrada em vigor, isto é, em 1º de janeiro de 1995. Observe-se, todavia, que esse dispositivo também se aplica à Comunidade Europeia embora ela não fosse, na época, parte

Internalização das Convenções da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro
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Internalização das Convenções da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Internalização das Convenções da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro Clique aqui para acessar Autores: Fernanda de Miranda S. C. Abre Vladmir Silveira RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar a evolução do processo de internalização das Convenções da Organização Internacional do Trabalho no ordenamento jurídico pátrio, estudando, para tanto, o arcabouço normativo dessa importante organização e as possíveis consequências da adoção de suas Convenções com status de Emenda Constitucional. Trata-se de estudo descritivo e exploratório, realizado com base em pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando-se por vezes do método dedutivo e em outras, do indutivo, principalmente nas críticas e reflexões acerca dos textos normativos. Palavras-chave: OIT; Convenções; Direito Internacional dos Direitos Humanos. INTRODUÇÃO O fenômeno denominado globalização econômica vem sendo largamente discutido e analisado em suas causas e consequências, bem como no impacto que provoca no conceito clássico do Estado- nação, com o esmaecimento das fronteiras que lhe são inerentes. Sendo a globalização econômica caracterizada pela livre circulação dos bens de produção, entre os quais a mão de obra, inegavelmente gerará efeitos que reverberam nos contratos de trabalho mundo afora. Esses efeitos serão estudados no presente trabalho. Com o intuito de mitigar as consequências deletérias da globalização no tocante aos trabalhadores, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem desenvolvido alguns instrumentos visando a fixar um patamar civilizatório mínimo, a ser observado por todos os seus membros. A proposta deste artigo é delinear a evolução do pensamento jurídico sobre a aplicabilidade e o alcance de tais instrumentos no Brasil, a partir de análise da jurisprudência nacional. Partindo-se da premissa de que as Convenções Internacionais do Trabalho são tratados de direitos humanos, analisaremos num primeiro momento os diferentes tratamentos recebidos por esses ins- trumentos internacionais antes e depois da Constituição Federal de 1988 (CF/88), e, por fim, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. Depois, abordaremos a OIT como sujeito de direito interna- cional público, bem como as normas por ela produzidas. Na sequência, será esmiuçado o entendimento segundo o qual as Convenções Internacionais do Trabalho e outros tratados de di- reitos humanos, uma vez ratificados, teriam aplicabilidade imediata, independentemente do iter do artigo 5º, § 3º, da CF/88, com a am- pliação do arcabouço dos direitos trabalhistas, essenciais à efetiva garantia da dignidade da pessoa humana do trabalhador. Por fim, examinaremos o princípio da norma mais favorável na instrumenta- lização das referidas Convenções e os entendimentos adotados a res- peito, sintetizados nas teorias da acumulação e do conglobamento. TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO Conforme ensina Francisco Rezek, “tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público e destinado a produzir efeitos jurídicos”.3 O mesmo se depreende do artigo 2º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1986, segundo o qual tratado é um acordo internacional celebrado por escrito entre um ou vários Estados e entre uma ou várias Organizações Internacionais, ou entre várias Organizações Internacionais, regido pelo direito internacional, constando de  um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação. Tratados   são   os   meios   mais   adequados   de   estabelecer obrigações e outras disposições a ser observadas pelos Estados em suas relações internacionais e, quando for o caso, também na esfera nacional. É importante notar que não há limitação para as matérias abordadas e disciplinadas pelos diferentes tratados. No entanto, é possível identificar crescente processo de internacionalização de certos temas, objetos de convenções internacionais que buscam incrementar sua observância, fixando patamares mínimos a ser respeitados por todos. Entre essas matérias podemos destacar os Direitos Humanos, cuja preeminência é aceita de forma universal. Diz-se que os valores ínsitos aos Direitos Humanos são tendencialmente universais – ainda que não integralmente aplicados e respeitados por todos os Estados – porque integram o conjunto do jus cogens internacional. Explica Cláudio Finkelstein que jus cogens foi a denominação dada à norma peremptória, obrigatória, inderrogável, seja pela vontade dos Estados, seja por imposição de Estado. Em termos concretos tem um significado além da cogência comum a qualquer ordem jurídica. (…) O conceito é baseado em uma aceitação de valores fundamentais e superiores, por toda a comunidade internacional, dentro do sistema e, em alguns aspectos, assemelham- se ao conceito de ordem pública internacional ou a ordem pública na ordem jurídica interna. (…) É um corpo de princípios imperativos de direito internacional que são universais e não derrogáveis. Com efeito, o ‘jus cogens’ representa as normas fundamentais do direito internacional que se aplicam a todos os Estados, independentemente de vontade ou consentimento.4 Em que pese tamanha aquiescência acerca de sua relevância, o mesmo não ocorre com relação à sua definição. Dada a subjetividade inerente à matéria, não há um conceito de Direitos Humanos amplamente aceito e observado, assim, para que se possa analisar adequadamente os Direitos Humanos é fundamental referir, mesmo que brevemente, suas diferentes gerações ou dimensões5   – e, ainda que pensadores defendam a existência de uma quarta e até de uma quinta geração de Direitos Humanos, optamos pela divisão clássica em três gerações ou dimensões. São elas: a) Direitos Humanos de primeira geração: decorrentes de um longo processo histórico, cujo marco inicial foi a Magna Carta assinada na Inglaterra pelo rei João Sem-Terra (1215), tais direitos culminaram na Revolução Francesa (1789), revelando-se nos direitos atinentes às liberdades públicas e aos direitos políticos, traduzindo o valor de liberdade; b) Direitos Humanos de segunda geração: como consequência da Revolução Industrial europeia, no século XIX, surgiram os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade; c) Direitos Humanos de terceira geração: com a crescente globalização, emergiu a necessidade de complexas tutelas difusas, especialmente na esfera ambiental e na dos direitos do consumidor, assim, o ser humano, inserido numa coletividade, passou a ter os chamados “direitos de solidariedade”. No que tange à doutrina jusnaturalista, não se pode negar a importância de sua formalização escrita para a nova perspectiva da tutela dos Direitos Humanos. Num primeiro momento, isso ocorreu apenas na esfera internacional com as declarações de Direitos Humanos, que são atos solenes através dos quais organizações intergovernamentais regionais ou mundiais e as

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O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Margem Nacional de apreciação: tendências da corte Europeia

O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Margem Nacional de apreciação: tendências da corte Europeia Clique aqui para acessar   Cadernos do Programa de Pós-Graduação – Direito / UFRGS – 2016 THE INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LAW AND THE NATIONAL MARGIN OF APPRECIATION: TRENDS IN EUROPEAN COURT   Samyra H. Dal Farra Naspolini* Vladmir Oliveira da Silveira** RESUMO: O presente artigo objetiva o estudo da chamada Margem Nacional de Apreciação, como meio de solução de conflitos de interpretação sobre Direitos Humanos, utilizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. A problemática com a qual trabalha é a de que, dadas às situações, conforme os casos apresentados, de conflito entre a Corte Europeia e algum Estado Membro da União Europeia sobre a forma de aplicação de normas de Direitos Humanos, seria a Margem Nacional de Apreciação uma opção adequada para resolver esse conflito de interpretação? A opção é polêmica e recebe várias críticas importantes, inclusive de juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos que conclamam pelo uso cauteloso de tal teoria. A partir de dois casos nos quais a Corte Europeia se refere à Margem Nacional de Apreciação, em um para dizer que ela se aplica e em outro para dizer que não, desenvolver-se-á um estudo sobre os principais conceitos implicados para a compreensão dos casos e ao fim se abordará a teoria com a finalidade de compreender a mesma e verificar os seus aspectos positivos e negativos. Estuda-se, também, na estrutura do artigo o Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos, as particularidades na interpretação das normas protetoras de Direitos Humanos e por fim a Jurisdição e a Teoria da Margem de Apreciação. Na conclusão observa-se que tal teoria deve ser utilizada com muito cuidado para que não se relativize e flexibilize as normas de jus cogens internacional de Direitos Humanos, possibilitando aos Estados Membros doses importantes de subjetivismo e arbitrariedade. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, desenvolvido com base na pesquisa bibliográfica e histórica para qual se utilizará do método indutivo. PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional dos Direitos Humanos. Corte Europeia de Direitos Humanos. Margem Nacional de Apreciação. Corte Interamericana de Direitos Humanos. ABSTRACT: This paper aims to study the so-called National Margin of Appreciation, as a means of interpretation of conflict resolution on Human Rights, used by the European Court of Human Rights. The problem faced, given the circumstances of the cases herein presented, is the conflicts between the European Court and some European Union Member State on how to apply human rights laws: would the National Margin of Appreciation be an appropriate option to solve this conflict of interpretation? The option is controversial and is subjected to several important criticisms, including from judges of the Inter-American Court of Human Rights, which call for caution on the use of such theory. Based on two cases in which the European Court referred different applications to the National Margin of Appreciation, the main concepts involved in cases and the theory they addressed were studied, in order to understand it and verify its positive and negative aspects. The Regional System of Human Rights Protection was also studied in this paper, manly the interpretation of protective laws of human rights, jurisdiction issues and the Theory of Margin of Appreciation. In conclusion, it may be observed that such a theory should be used very carefully, in order to not turn human rights law more flexible and relative, what would enable the subjectivism and arbitrariness of States Members. This paper is a descriptive study, developed based on literature and historical research, through the use of inductive reasoning. KEYWORDS: International Law of Human Rights. European Court of Human Rights. National Margin of Appreciation. Inter-American Court of Human Rights. SUMÁRIO: Introdução. 1 Os casos em tela. 2 O Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos. 3 A Interpretação das Normas Protetoras de Direitos Humanos. 4 Jurisdição e a Teoria da Margem Nacional de Apreciação. Conclusão. Referências Bibliográficas. INTRODUÇÃO O presente artigo possui por objeto de estudo a Margem Nacional de Apreciação, como meio de solução de conflitos de interpretação sobre Direitos Humanos, utilizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Para compreensão dos principais conceitos implicados nos casos estudados, serão necessários alguns estudos preliminares para se chegar à Margem Nacional de Apreciação. A problemática com a qual trabalha é a de que, dadas às situações, conforme os casos apresentados, de conflito entre a Corte Europeia e algum Estado-membro da União Europeia sobre a forma de aplicação de normas de Direitos Humanos, seria a Margem Nacional de Apreciação uma opção adequada para resolver esse conflito de interpretação? Na encruzilhada entre fazer valer as normas contidas na Convenção Europeia de Direito Humanos com pretensão universal e respeitar culturas próprias dos Estados-membros, principalmente quando se trata de condutas que invocam apreciações morais, a Corte Europeia tem lançado mão de uma teoria denominada Margem Nacional de Apreciação, na   81 qual a Corte limita a sua jurisdição e atribui certa discricionariedade para o Estado decidir a questão. A opção é polêmica e recebe várias críticas importantes, inclusive de juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem optado: (i) pelo não uso ou (ii) pelo uso muito cauteloso de tal teoria. A partir de dois casos nos quais a Corte Europeia se refere à Margem Nacional de Apreciação, em um para dizer que ela se aplica e em outro para dizer que não, desenvolver- se-á um estudo sobre os principais conceitos implicados para a compreensão dos casos e, ao fim, abordar-se-á a teoria com a finalidade de compreendê-la e verificar os seus aspectos positivos e negativos. Na conclusão recuperar-se-á a problemática da pesquisa para verificar se mesma restará resolvida. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica e histórica para qual se utilizará do método de estudo de casos aliado ao método indutivo. 1 OS CASOS EM TELA Conforme a metodologia do estudo de caso, serão apresentados dois casos com decisões polêmicas da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”) e, na sequência, serão investigados alguns conceitos fundamentais para a compreensão dos

O Direito à segurança pessoal das populações fronteiriças do Mercosul sob a perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos
Artigos Acadêmicos, Direito Internacional, Direitos Humanos

O Direito à segurança pessoal das populações fronteiriças do Mercosul sob a perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos

ISSN 2236-0859 Direito & Desenvolvimento Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável   Clique aqui para acessar   O DIREITO À SEGURANÇA PESSOAL DAS POPULAÇÕES FRONTEIRIÇAS DO MERCOSUL SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS THE RIGHT TO PERSONAL SECURITY OF MERCOSUR BORDER POPULATIONS UNDER THE PERSPECTIVE OF THE INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LAW   Recebido: 30/07/2018 Aprovado: 19/09/2018 Elio Ricardo Chadid da Silva* Vladmir Oliveira da Silveira** RESUMO: Na presente pesquisa aborda-se a problemática da criminalidade transnacional nas fronteiras do Mercosul sob a perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nesse sentido, analisa-se como isso afeta os indivíduos das referidas regiões, bem como se o Direito à Segurança Pessoal é salvaguardado pelos atores internacionais. Discute-se se a efetividade dos referidos direitos humanos em questão pode ser alcançada por paradigmas fundados na acepção clássica da Teoria Geral do Estado, em que a soberania nacional é exercida de forma hermética, ou se um novo referencial, baseado na cooperação internacional, seria mais adequado à resolução da problemática proposta. Para tanto, traça-se um panorama da violência decorrente da atividade criminosa nas fronteiras e como isso impacta o Direito ao Desenvolvimento de suas vítimas naquelas regiões e, ainda, se examina a efetividade da forma tradicional de combate à criminalidade. Utiliza-se, na pesquisa, o método hipotético-dedutivo, e as técnicas descritiva, documental e bibliográfica. Palavras-chave: Direito internacional dos direitos humanos. Mercosul. Direito à segurança pessoal. Direito ao desenvolvimento. Fronteiras. ABSTRACT: This research deals with the problem of transnational crime on the borders of Mercosur under the perspective of International Human Rights Law. In this sense, it is analyzed how this affects the individuals of those regions, as well as if the Right to Personal Security is safeguarded by the international actors. It is discussed whether the effectiveness of these human rights in question can be achieved by paradigms based on the classical General State Theory, in which national sovereignty is exercised hermetically, or whether a new referential based on international cooperation would be solution to the proposed problem. In order to do so, a picture of the violence resulting from the criminal activity at the borders is presented and how this impacts the Right to Development of its victims in those regions, and also examines the efficiency of the traditional way of combating crime. The hypothetical-deductive method and the descriptive, documentary and bibliographic techniques are used in the research. Keywords: International human rights law. Mercosur. Right to personal security. Right to development. borders. * Mestrando em Direito, com área de concentração em Direitos Humanos (UFMS). Pós-Graduado (Lato Sensu) em Direito Penal e Processual Penal, pela Faculdade Damásio de Jesus – SP (2015) e em Direito Tributário, pelo Instituto LFG / Universidade ANHANGUERA-UNIDERP – MS (2010). Analista Judiciário (na função de Assessor de Desembargador) no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. E-mail: eliochadid@gmail.com ** Pós-doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2009). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), Graduação em Direito em (1997) e Graduação em Relações Internacionais pela mesma Universidade (2000). Professor Titular em Direitos Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Foi Coordenador do Programa de Mestrado em Direito da UNINOVE (2011-2016). É Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. E-mail: vladmir.silveira@ufms.br. 1 INTRODUÇÃO A atual realidade mundial, moldada pelo processo de globalização iniciado no final do século XX, traz consequências não vivenciadas antes e, portanto, não pensadas pela sociedade pós-moderna. Uma dessas consequências é a mudança do conceito de fronteiras, que anteriormente se configuravam como limites entre os territórios e proteção de uma determinada nação, ou seja, serviam de delimitadoras do exercício da soberania de um determinado Estado. Atualmente, porém, se mostram como sendo nada mais do que simples marcos formais, dado o crescente fluxo de pessoas e bens entre os espaços geográficos de cada país, propiciado, dentre outros fatores, pelo fenômeno da economia transnacional e dos avanços tecnológicos, experimentados pelo mundo no alvorecer do século XXI. Em razão do processo globalizador há um verdadeiro enfraquecimento da função de proteção e vigilância das fronteiras, mormente as existentes nos países do Mercosul. Note- se que, se por um lado, é até necessário para a integração pacífica entre os povos, por outro, acaba propiciando o aumento da violência nessas regiões, pelo incremento de atividades das organizações criminosas transnacionais, as quais se modernizaram e se internacionalizaram, fator que pode comprometer o exercício do Direito ao Desenvolvimento das populações que habitam as regiões estudadas. Com efeito, pela atuação contundente das mencionadas organizações criminosas nas fronteiras, as pessoas que habitam essas regiões ficam desprotegidas e, desse modo, descobertas da proteção relativa ao direito à segurança pessoal, que deveria lhes salvaguardar de todo tipo de atentado a suas vidas e integridade, seja física, moral e/ou psíquica, bem como proporcionar-lhes o desenvolvimento pleno e saudável. É a partir da problemática da violência nas fronteiras, contrastando com a garantia do direito humano à segurança pessoal, que se analisará as razões pelas quais as regiões fronteiriças se transformaram em palco de atuação de organizações criminosas internacionais, bem como se o modelo de enfrentamento a tal situação é eficiente ou não. A pesquisa terá, como objetivos, traçar um breve panorama da violência decorrente da atividade criminosa nas regiões de fronteiras do Mercosul, e verificar se o atual panorama indica se a segurança pessoal está sendo garantida em tais regiões, bem como se oferece condições de desenvolvimento dos indivíduos que lá habitam. A pesquisa se justifica na medida em que se analisará a necessidade de proteção às pessoas nas regiões limítrofes dos países do Mercosul, uma vez que, se é objetivo do bloco buscar a integração plena entre seus membros (como, inclusive, consta no artigo 4º, parágrafo único, da Constituição do Brasil, quando propugna a “formação de uma comunidade latino- americana de nações”), é dever de todos eles, via cooperação

A lei de migração como resposta aos fluxos migratórios no Brasil
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A lei de migração como resposta aos fluxos migratórios no Brasil

Revista Jurídica vol. 04, n°. 57, Curitiba, 2019. pp. 355 – 373   A LEI DE MIGRAÇÃO COMO RESPOSTA AOS FLUXOS MIGRATÓRIOS NO BRASIL  THE MIGRATION LAW AS AN RESPONSE TO MIGRATORY FLOWS IN BRAZIL   Clique aqui para acessar   VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA Pós-doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutor, Mestre e Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Relações Internacionais pela mesma Universidade. Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul(UFMS). É Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).   ANTÔNIO HILÁRIO AGUILERA URQUIZA Doutorado em Antropologia (Salamanca). Professor da Pós-graduação em Direito e professor da Pós-graduação em Antropologia Social da UFMS. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) “Antropologia, Direitos Humanos e Povos Tradicionais”. Bolsista PQ2   ANA CAROLINA DOS SANTOS Mestranda em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pós- graduada em DireitoCivil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- MG). Graduada em Direito pelaUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).     RESUMO Objetivo: O objetivo deste estudo é analisar a superação do Estatuto do Estrangeiro de 1980 e a entradaem vigor da Lei de Migração de 2017, como resposta ao aumento dos fluxos migratórios no Brasil, bem como os impactos que a mencionada Lei pode causar futuramente.   Metodologia: Metodologicamente, a análise dá-se por meio do estudo do diploma legal supracitado, relacionando sua eficácia diante dos novos desafios migratórios e sua resultante substituição por um código mais moderno e alinhado aos tempos. Por tratar-se de um estudo descritivo e exploratório, utiliza-se o método dedutivo, bem como a revisão bibliográfica e histórica dos temas em questão.   Resultados: Conclui-se que a Lei de Migração brasileira adveio para ultrapassar a diferenciação entre nacional e não nacional, valorizando a dignidade humana e a proteção à vida frente ao local de nascimento ou local de origem. A evolução entre a legislação antiga e o novo diploma legal é notável, considerando-se que o novo instrumento normativo confere direitos que o Estatuto do Estrangeiro de 1980 jamais concederia, afirmando a posição do Brasil no panorama das migrações como um Estado que está atento à realidade, mesmo sem ter o poder econômico que os Estados ditos de primeiro mundo possuem.   Contribuições: A principal contribuição deste estudo é demonstrar, por meio da comparação entre os diferentes diplomas legais e a realidade, a renovada eficácia do novo diploma legal, que trata mais adequadamente das questões migratórias por intermédio de um embasamento que valoriza os direitosfundamentais.   PALAVRAS-CHAVE: Condição jurídica do estrangeiro; lei de migração; direito internacional dos direitos humanos; estatuto do estrangeiro; cidadania.     ABSTRACT   Objective: To analyze the overcoming of the Foreigner Statute of 1980 and the entry into force of the Migration Law of 2017, as a response to the increase of migratory flows in Brazil, as well as impacts that it may cause in the future.   Methodology: Methodologically, the analysis takes place through the study of the aforementioned law, relating its effectiveness in view of the new migratory challenges and its resulting replacement by a more modern and time-aligned code. As it is a descriptive and exploratory study, the deductive method is used, as well as the bibliographical and historical review of the subject themes.   Results: The Brazilian Migration Law was edited to overcome the differentiation between national and non-national, valuing human dignity and life protection vis-à-vis the place of birth or place of origin. The evolution between the old legislation and the new law is remarkable, considering that the new law confers rights that the Foreigner Statute of 1980 would never grant, affirming Brazil’s position in the panorama of migrations as a State that is aware of the reality, even without the economic power that the so-called first-world States possess.   Contributions: The main contribution of this study is to demonstrate, by comparing the different laws and reality, the renewed effectiveness of the new law, which deals more adequately with migratory issuesthrough a background that values fundamental rights.   KEYWORDS: Legal condition of foreigners; migration law; international human rights law; foreigner statute; citizenship.   INTRODUÇÃO Os episódios armados sempre deixaram marcas nos Estados vizinhos e nos Estados receptores dos deslocados que conseguiram fugir em busca de  sobrevivência, colocando a prova até que ponto um Estado que nada tem a ver com o conflito pode barrar a entrada de um solicitante de ajuda. É nesse momento que surge a cooperação internacional e a redução da discricionariedade Estatal frente à proteção da vida. A política migratória brasileira foi sendo gradativamente alterada após o advento da Constituição Federal de 1988 não restando espaço para uma norma fria que tratava de maneira abstrata e preconceituosamente o estrangeiro, ou seja, como uma potencial ameaça ao Estado. Assim, o Estatuto do Estrangeiro de 1980 ficou ultrapassado frente a uma nova visão nacional e internacional em relação aos novos fluxos migratórios recebidos pelo Brasil. Somando as demandas da doutrina e os movimentos nacionais de direitos humanos com os impactos da quebra de fronteiras decorrentes da globalização e as experiências suportadas pelo Brasil em 2012, com o aumento de solicitações de entrada de haitianos, e em 2017, com o crescimento significativo de venezuelanos querendo entrar no Brasil pelas fronteiras do norte do país, ficou evidente que o Estatuto do Estrangeiro de 1980 realmente estava obsoleto e precisava ser retirado do ordenamento jurídico. Nesse desiderato, em 2017, em consonância com o Direito Internacional dos Direitos Humanos e sob a perspectiva do Estado Constitucional Cooperativo, após anos de debates e espera, entrou em vigor a Lei n. 13.445, conhecida como Lei de Migração, a qual revogou o Estatuto do Estrangeiro de 1980 e inseriu novas regras para política migratória brasileira. Em razão dessa nova norma e dos impactos que ela pode causar futuramente, a presente pesquisa tem por desígnio descrever e analisar os principais pontos superados do Estatuto do Estrangeiro e asprincipais diretrizes e garantias da Lei de Migração de 2017. Por se tratar de um

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Sujeitos de Direito Internacional Público: Um processo evolutivo de reconhecimento

REVISTA JURÍDICA DIREITO & PAZ. ISSN 2359-5035   SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: UM PROCESSO EVOLUTIVO DE RECONHECIMENTO SUBJECTS OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW: AN EVOLVING PROCESS OF RECOGNITION   Clique aqui para acessar   Artigo recebido em 22/01/2018 Revisado em 28/02/2018 Aceito para publicação em 03/03/2018   Ana Carolina Souza Fernandes Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Vladmir Oliveira da Silveira Pós-Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na PUC/SP. Professor Titular de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal tratar do processo de reconhecimento dos sujeitos de direito internacional público. É sabido que, por suas próprias características, o Estado é, por excelência, sujeito originário do direito internacional público. Porém, a partir do século XX, organizações internacionais passam a contracenar com o Estado, para fins de se atingir a finalidade para a qual a Organização das Nações Unidas fora criada em 1945, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Estes, em conjunto, formam atualmente os chamados sujeitos de direito internacional público, porquanto criam direitos e obrigações na ordem internacional. Porém, o Direito Internacional em sentido lato, como em qualquer outro ramo do Direito, acompanha o processo evolutivo da sociedade e, portanto, não se pode querer restringir o alcance ou os destinatários das leis internacionais. Neste contexto, sob uma perspectiva bibliográfica doméstica e internacional, como também jurisprudencial, utilizando- se do método dedutivo de pesquisa, perquirir-se-á neste artigo somente acerca do processo evolutivo de reconhecimento dos sujeitos de direito internacional público. PALAVRAS-CHAVE: Sujeitos de Direito Internacional Público. Reconhecimento Internacional. Direito Internacional Público. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria da Democracia. Estado Constitucional Cooperativo.   ABSTRACT: This article has as its central object to deal with the process of recognition of the subjects of public international law. It is known that by its own characteristics, the state is, per excellence, ordinary subject of public international law. But from the twentieth century, international organizations have begun to act along with States, as a result of achieving the purpose for which the United Nations was created in 1945, in the Post-World War II. These two together form the so-called subject of public international law, since both create rights and obligations in the international order. The fact is that International Law in the broad sense, as in any other branch of law, follows the evolutionary process of society and, therefore, it may not want to restrict the scope or subjects of international law. In this context, under domestic and international literature perspective, as well as case law studies, using the deductive method of research, this article aims to assert only about the evolutionary process of recognition of subjects of public international law. KEYWORDS: Subjects of Public International Law. International Recognition. International Public Law. Fundamental Human Rights. Democracy Theory. Cooperative Constitutional State. SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Uma Breve Análise da Diferenciação entre Sujeito de Direito Internacional e Sujeito de Direito Internacional Público. 3 Os Sujeitos de Direito Internacional Público. 3.1. Estados Soberanos. 3.2. Organizações Internacionais. 4. O Possível Reconhecimento Internacional de Outros Sujeitos de Direito Internacional Público. Conclusão. Referências.   1 INTRODUÇÃO Assim como ocorre no Direito doméstico, o Direito Internacional também reconhece que para ser um sujeito de direito é imprescindível a existência de personalidade, traduzida na ideia de capacidade de possuir direito, deveres e obrigações, respectivamente, na ordem civil e na ordem internacional. Para os fins do presente artigo, nos interessam aqueles sujeitos que possuem direitos e obrigações internacionais (os sujeitos de direito internacional) e aqueles sujeitos que criam direitos e obrigações para os sujeitos de direito internacional, por possuírem capacidade para firmar tratados internacionais (os sujeitos de direito internacional público). Por suas próprias características e elementos constitutivos (povo, território e soberania), de acordo com a teoria clássica do Estado-Nação, bem como a natureza do sistema internacional, os Estados são exemplos de sujeitos originários de direito internacional público por excelência, como decorrência do princípio da igualdade soberana. Este princípio, surgido no Tratado da Paz de Vestefália e consolidado no Concerto Europeu, não mais é do que reconhecer a horizontalidade das relações estatais, na qual cada Estado-Nação, dentro da perspectiva da Teoria Geral do Estado, goza de determinados direitos intrínsecos à soberania. Este entendimento, todavia, se viu alterado a partir do século XX, com a substituição da Liga das Nações pela Organização das Nações Unidas, em 1945, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Mais que isso, para transformação teórica necessária após os horrores da Segunda Guerra Mundial, se fez fundamental proteger o indivíduo, inclusive contra o seu próprio Estado. Para tanto, construiu-se a Teoria da Democracia que visa tutelar e proteger o indivíduo, além da tutela doméstica. Pelo constante no preâmbulo de sua carta constitutiva (Carta de São Francisco), os Estados, em conjunto, decidiram estabelecer uma organização internacional denominada Nações Unidas, com vistas a preservar novas gerações decorrentes dos flagelos da guerra. Enquanto entidade internacional e com vocação política universal, seus principais objetivos são manter a paz e segurança internacionais. Instituiu-se um importante marco para o direito internacional público, erigindo-o a uma disciplina jurídica autônoma e de extrema relevância para lidar com os correntes e vindouros problemas globais. O Direito Internacional em sentido lato, como em qualquer outro ramo do Direito, deve acompanhar o processo evolutivo da vida em sociedade. Os sujeitos de direito internacional público não podem e nem devem ser entendidos como taxativos ou exaustivos em si mesmos, sob pena de engessamento, mesmo que classicamente só se admitam os Estados. Se assim fosse, a União Europeia ou o Mercosul, por exemplo, jamais poderiam celebrar tratados internacionais porquanto não são enquadrados no conceito de Estado. Ato contínuo, tem-se o aparecimento de um sub-ramo do direito internacional denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos, com vistas a proteger – universal ou regionalmente – os direitos pertencentes ao ser humano e, em última análise, garantir direitos que possibilitem ao indivíduo a viver de forma minimamente digna. Por tais razões é que se buscou diferenciar tais

A Perda da Nacionalidade de Brasileiro(a) Nato(a)
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A Perda da Nacionalidade de Brasileiro(a) Nato(a)

Cláudia Cristina Sobral, brasileira e natural do Rio de Janeiro, se casou com um médico norte-americano, o que lhe garantiu a obtenção do green card, que dentre outros direitos e obrigações, lhe possibilitou viver permanentemente nos Estados Unidos, bem como lá trabalhar, desde que o trabalho não estivesse reservado exclusivamente a cidadãos natos ou naturalizados. Em 1999, já divorciada, requereu sua naturalização, porquanto Cláudia se formou contadora nos Estados Unidos, mas para que pudesse exercer seu ofício, pela legislação federal norte-americana, precisaria de um certificado de fé pública, não concedido a estrangeiros. Cumpridos, então, os requisitos da legislação local, seu pedido de naturalização foi deferido. Como consequência, fez juramento à bandeira que equivale a um ato de cidadania e compromisso e lealdade com a pátria jurada.   Anos depois se casou novamente, mas, em 2007, seu marido foi encontrado morto em sua casa e as autoridades norte-americanas a denunciaram por homicídio qualificado. Cláudia retornou ao Brasil apenas alguns dias após a as autoridades locais constatarem o suposto crime. Alegou-se então que o retorno de Cláudia ao Brasil seria, na verdade, uma fuga para se ver protegida por sua nacionalidade originária brasileira, evitando-se, assim, uma eventual persecução penal que poderia lhe condenar à morte ou à prisão perpétua naquele país. Diante dessas circunstâncias, o Ministério da Justiça brasileiro (“MJ”) declarou unilateralmente a perda de sua nacionalidade, por meio da Portaria n. 2.465/2013, pois se entendeu que a concessão da naturalização e o consequente juramento à bandeira norte-americana equiparar-se- ia a uma declaração unilateral de vontade de renúncia de sua nacionalidade.   Após longas discussões judiciais acerca de qual tribunal era competente para julgar a legalidade ou não da referida portaria ministerial – se o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) ou o Supremo Tribunal Federal (“STF”), o processo seguiu neste último. No início de 2018, em sede do Mandado de Segurança n. (33.864) , o STF decidiu, por uma maioria de 3 votos a 2, pela extradição de Cláudia, argumentando que ao naturalizar-se norte-americana, por livre e espontânea vontade, renunciou automaticamente à nacionalidade brasileira e, portanto, tal portaria era um ato meramente declaratório.   Note-se que esta decisão, pelos mais diversos motivos, permite um precedente jurisprudencial muito perigoso, no tocante à garantia da nacionalidade, em especial para os casos de brasileiros(as) que solicitaram, solicitam ou solicitarão sua naturalização em outro país por diversas razões que não implicam na ideia de rompimento de seu vínculo com o Brasil. Ademais, a referida decisão merece ser analisada sob o prisma da afirmação e da efetividade dos direitos humanos e do conceito atual de soberania, na medida em que o direito à nacionalidade integra o rol dos direitos fundamentais e estes últimos são cláusulas pétreas da Constituição da República Federativa do Brasil (“CF/88”).   A CF/88 prevê o direito à nacionalidade, distinguindo-a entre nacionalidade originária e derivada. Se por um lado, a nacionalidade originária é adquirida por critérios sanguíneos e/ou territoriais; a nacionalidade derivada adquire-se mediante naturalização, por vontade do próprio requisitante. Como regra, a CF/88 proíbe a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, exceto em casos de extradição, na qual nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, e este último somente em casos de prática de crime antes de se naturalizar ou em caso de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes após a naturalização (artigo 5°, inciso LI).   Observe-se ainda que a nacionalidade, é um direito inerente ao ser humano e, por tal razão, está presente nos principais instrumentos jurídicos regionais e universais de proteção dos Direitos Humanos. Tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos prescrevem que ninguém poderá ser privado de uma nacionalidade, ou até mesmo do direito de mudá-la. Neste âmbito, a preocupação é afastar a possibilidade de apatria, ou seja, a ausência de uma pátria, assegurando, pois, que cada indivíduo tenha o direito de ser juridicamente vinculado a um Estado, sob pena de, nos dizeres de Hannah Arendt, “ser privado da pertença ao mundo, de retornar ao estado natural, como homens das cavernas ou selvagens”[1].   O Direito Internacional dos Direitos Humanos elevou o indivíduo à condição de sujeito de direito internacional, trazendo consequências irrevogáveis, inclusive na seara da relação entre o indivíduo e o Estado. Passou-se a aceitar a ideia de “cidadão do mundo”, buscando afastar a ideia de dependência exclusiva do indivíduo ao Estado a qual mantém vínculo, seja em razão do local de nascimento, seja em razão do sangue (família). Protegido, portanto, está o indivíduo sob todos os prismas, isto é, não está submetido a eventuais arbitrariedades de seu Estado de origem, porquanto não encontra mais guarida na legislação internacional.   Dentro dessa perspectiva, o direito à nacionalidade e o respectivo exercício da cidadania, não deve estar mais vinculada apenas a questões territoriais ou sanguíneas. Essa teoria, substitutiva da clássica Teoria Geral do Estado, melhor se coaduna com os avanços obtidos na seara dos direitos humanos, na qual o Estado, ao invés de detentor de uma soberania absoluta e pautando suas políticas apenas como decorrência de seus próprios interesses, passa a ser instrumento de realização de objetivos domésticos, regionais e universais em defesa do ser humano.   Diante desse contexto, entende-se equivocado o posicionamento majoritária da referida turma (2ª) do STF. Primeiro porque considerou legal o procedimento unilateral de perda de nacionalidade iniciado pelo MJ e contrariando instruções do Ministério das Relações Exteriores, na qual “a nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade e que a perda da nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo”. Segundo, porque ignorou o conteúdo do artigo 12, § 4°, inciso II, item “b” da CF/88, no qual prescreve que não se perde a nacionalidade brasileira quando a imposição de naturalização, “pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para sua permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”. In casu, a Brasileira naturalizou-se norte-americana para poder exercer seu ofício de contadora, observando a legislação federal local, na medida

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