Professor Vladmir Silveira

Sustentabilidade

O Estatuto do Pantanal: Desafios e Especificidades de um ambiente em constante modificação
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O Estatuto do Pantanal: Desafios e Especificidades de um ambiente em constante modificação

Por Prof. Dr. Antônio Conceição Paranhos Filho e Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira, Titular em Geologia da UFMS e Titular em Direito da UFMS, respectivamente. Recentemente, o Senado Federal aprovou o Estatuto do Pantanal (PL 5.482/2020, CMA 2024), legislação que busca proteger e promover o desenvolvimento sustentável de um dos biomas mais ricos e complexos do Brasil. Contudo, ao contrário do que ocorre com outros biomas brasileiros, como a Amazônia e a Mata Atlântica, a proteção do Pantanal exige um cuidado legislativo único, devido à sua natureza também única. O Pantanal, considerado a maior planície alagável do mundo, é um bioma que, diferentemente da Mata Atlântica, sobre a qual se modelizou o referido estatuto, não possui características ecológicas que o definam como um sistema fechado. Pelo contrário, ele é marcado pela convergência de diversas formações vegetais e ecossistemas, incluindo o Cerrado, o Amazônico, a Caatinga, o Chaco e até mesmo a Mata Atlântica. Essa complexidade torna o Pantanal um complexo ecossistema em constante mudança, cuja dinâmica depende fortemente do regime hídrico e da interação com os biomas circundantes. As peculiaridades do Pantanal envolvem o seu regime de cheias, que o definem e que ocorrem em pulsos diferentes a cada ano e em cada uma das suas sub-regiões. Ao contrário do restante da maior parte do Brasil, no Pantanal predominam sistemas hidrográficos distributários e há a coalescência de diferentes bacias durante a cheia, algo também não previsto na política nacional de recursos hídricos (Lei 9.433/1997, Brasil 1997). Por ser uma bacia sedimentar ativa e com baixa declividade em seu relevo, há forte migração na posição de seus rios em seu dia-a-dia. Essa condição de ser um mosaico de biomas, com diferentes unidades de paisagem únicas e distintas do que se observa em outras regiões brasileiras, representa desafios significativos para a criação de uma legislação específica. Ao contrário da Mata Atlântica, que possui limites mais claros e características ecológicas mais bem definidas, o Pantanal demanda uma abordagem que considere a sua excepcionalidade, sua variabilidade e a sua interdependência com os outros biomas. O novo estatuto, portanto, não poderia seguir o mesmo modelo legislativo do Estatuto da Mata Atlântica. A Mata Atlântica, bioma de elevada biodiversidade e que abriga várias espécies endêmicas, tem sua legislação voltada para a conservação rigorosa dos remanescentes florestais, em um cenário onde o desmatamento e a fragmentação são as maiores ameaças. A legislação específica para a Mata Atlântica estabelece áreas de proteção permanente e rigorosas regras para o uso do solo, visando preservar o que resta de um bioma que, no passado, cobria uma vasta extensão do território brasileiro, mas que hoje está altamente degradado. No caso do Pantanal, as prioridades e estratégias devem ser distintas. Como um complexo bio-geográfico com sub-regiões muito distintas entre sí, com muitas áreas que alagam sazonalmente, onde as atividades humanas e a conservação precisam coexistir, o Estatuto do Pantanal deve enfatizar o uso sustentável, além da preservação e conservação dos serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo das águas, a manutenção da biodiversidade e a captura de carbono. Além disso, o estatuto deve buscar garantir a proteção das populações tradicionais que dependem dos recursos naturais do Pantanal para sua subsistência, como os ribeirinhos, pescadores e comunidades indígenas. Um dos grandes desafios do novo estatuto é justamente equilibrar a necessidade de desenvolvimento econômico com a preservação ambiental. O Pantanal é uma região onde a pecuária extensiva, o turismo ecológico e a pesca são atividades econômicas tradicionais e se mostram mais sustentáveis do que as atividades de uso intensivo. Assim, a legislação precisa oferecer mecanismos que incentivem práticas sustentáveis, que protejam o meio ambiente sem comprometer a economia local. Em outras palavras, deve-se observar o tripé de sustentabilidade: dimensões econômica, social e ambiental; o que traz um grande desafio para esta legislação. Outro ponto crítico é a necessidade de considerar a variabilidade climática e as mudanças no regime hidrológico, que são essenciais para a manutenção das características do Pantanal. As alterações no ciclo das águas, devido ao desmatamento em regiões próximas ou à construção de hidrelétricas nos rios que alimentam o Pantanal, podem ter impactos devastadores para todo o ecossistema. O estatuto, portanto, deve prever medidas de monitoramento e gestão hídrica que garantam a integridade do Pantanal em longo prazo. O Estatuto do Pantanal representa um avanço significativo na proteção desse ambiente único, uma exceção. No entanto, sua eficácia dependerá da capacidade de implementação de políticas públicas que respeitem as especificidades do Pantanal como um complexo ecossistema de transição, diferente da Mata Atlântica. A legislação deve ser flexível o suficiente para se adaptar às dinâmicas naturais do Pantanal, ao mesmo tempo em que assegura o desenvolvimento sustentável e a proteção dos direitos das comunidades locais. Portanto, o sucesso do novo estatuto será medido pela sua capacidade de conciliar preservação e conservação ambiental com a realidade socioeconômica da região, garantindo que o Pantanal continue a desempenhar seu papel vital no equilíbrio ecológico. Fonte: Isto É Negócios 

A pandemia da Covid-19 e a relação homem-natureza
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A pandemia da Covid-19 e a relação homem-natureza

Todos nós, seres humanos, fazemos parte e dependemos totalmente dessa rede de vida que proporciona a comida que nos alimentamos, filtra a água que bebemos e nos fornece o ar que respiramos. A natureza é tão importante para o nosso bem-estar físico e mental quanto para a capacidade da sociedade de lidar com as mudanças globais e ameaças à saúde. Mas, o Homo Sapiens, que existe há milhares de anos com todas as suas características modernas, nos últimos 300 anos demonstrou sua força sobre a natureza causando impactos de grande magnitude. Essas pressões antropogênicas comprometeram significativamente a capacidade funcional dos sistemas planetários de suporte à vida e também facilitaram o surgimento e a disseminação sem precedentes de muitas doenças infecciosas. Temos como exemplos as mudanças climáticas, modificações no uso da terra, intensificação de sistemas agrícolas, transferência de espécies silvestres, produção industrial animal e destruição da biodiversidade, dentre outras ações humanas, que estão levando a uma maior propensão a doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1940, por ano, uma nova doença infecciosa em média aparece. Presenciamos, portanto, surtos de vírus como Ebola, Nilo Ocidental, Nipah e Sars-Cov2, intimamente ligados à degradação ambiental induzida pelo homem. Sabemos que a relação homem-natureza no mundo globalizado já alcança décadas de insustentabilidade, ao equiparar o bem-estar ao lucro, ignorar as fronteiras ecológicas e aprofundar disparidades sociais. Agora que estamos diante de um contexto global de gravíssimos efeitos sanitários e socioeconômicos causados por essa pandemia somos levados a pensar na ideia metafórica da crise como oportunidade. Em um cenário de pós-pandemia otimista passaremos a adotar um paradigma de desenvolvimento qualitativo que transcenda concepções meramente monetárias de bem-estar, com maior inclusão dos indicadores sociais e ambientais no tripé da sustentabilidade. Podemos vislumbrar um modelo de desenvolvimento econômico que vincule de modo mais estreito o bem-estar humano com a natureza. Um paradigma que considere seriamente as capacidades e os limites dos ecossistemas e que reconheça e valorize a ampla gama de serviços que a natureza nos oferece. Durante esse período de isolamento social, testemunhamos com alegria o reaparecimento de espécies selvagens nos centros urbanos. O nosso confinamento se traduziu em uma verdadeira pausa para a natureza, vimos o ar mais limpo, o ruído bem menos intenso, a redução na extração dos recursos naturais e na emissão de gases de efeito estufa. Que essa percepção possa levar a ampliação da consciência sobre nossa conexão íntima com a natureza e alimentar vontades políticas para ações mais rápidas e eficazes em direção a um mundo melhor. Profa. Dra. Lívia Gaigher Bosio Campello Programa de Mestrado em Direitos Humanos da UFMS.

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