Professor Vladmir Silveira

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O Estatuto do Pantanal: Desafios e Especificidades de um ambiente em constante modificação
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O Estatuto do Pantanal: Desafios e Especificidades de um ambiente em constante modificação

Por Prof. Dr. Antônio Conceição Paranhos Filho e Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira, Titular em Geologia da UFMS e Titular em Direito da UFMS, respectivamente. Recentemente, o Senado Federal aprovou o Estatuto do Pantanal (PL 5.482/2020, CMA 2024), legislação que busca proteger e promover o desenvolvimento sustentável de um dos biomas mais ricos e complexos do Brasil. Contudo, ao contrário do que ocorre com outros biomas brasileiros, como a Amazônia e a Mata Atlântica, a proteção do Pantanal exige um cuidado legislativo único, devido à sua natureza também única. O Pantanal, considerado a maior planície alagável do mundo, é um bioma que, diferentemente da Mata Atlântica, sobre a qual se modelizou o referido estatuto, não possui características ecológicas que o definam como um sistema fechado. Pelo contrário, ele é marcado pela convergência de diversas formações vegetais e ecossistemas, incluindo o Cerrado, o Amazônico, a Caatinga, o Chaco e até mesmo a Mata Atlântica. Essa complexidade torna o Pantanal um complexo ecossistema em constante mudança, cuja dinâmica depende fortemente do regime hídrico e da interação com os biomas circundantes. As peculiaridades do Pantanal envolvem o seu regime de cheias, que o definem e que ocorrem em pulsos diferentes a cada ano e em cada uma das suas sub-regiões. Ao contrário do restante da maior parte do Brasil, no Pantanal predominam sistemas hidrográficos distributários e há a coalescência de diferentes bacias durante a cheia, algo também não previsto na política nacional de recursos hídricos (Lei 9.433/1997, Brasil 1997). Por ser uma bacia sedimentar ativa e com baixa declividade em seu relevo, há forte migração na posição de seus rios em seu dia-a-dia. Essa condição de ser um mosaico de biomas, com diferentes unidades de paisagem únicas e distintas do que se observa em outras regiões brasileiras, representa desafios significativos para a criação de uma legislação específica. Ao contrário da Mata Atlântica, que possui limites mais claros e características ecológicas mais bem definidas, o Pantanal demanda uma abordagem que considere a sua excepcionalidade, sua variabilidade e a sua interdependência com os outros biomas. O novo estatuto, portanto, não poderia seguir o mesmo modelo legislativo do Estatuto da Mata Atlântica. A Mata Atlântica, bioma de elevada biodiversidade e que abriga várias espécies endêmicas, tem sua legislação voltada para a conservação rigorosa dos remanescentes florestais, em um cenário onde o desmatamento e a fragmentação são as maiores ameaças. A legislação específica para a Mata Atlântica estabelece áreas de proteção permanente e rigorosas regras para o uso do solo, visando preservar o que resta de um bioma que, no passado, cobria uma vasta extensão do território brasileiro, mas que hoje está altamente degradado. No caso do Pantanal, as prioridades e estratégias devem ser distintas. Como um complexo bio-geográfico com sub-regiões muito distintas entre sí, com muitas áreas que alagam sazonalmente, onde as atividades humanas e a conservação precisam coexistir, o Estatuto do Pantanal deve enfatizar o uso sustentável, além da preservação e conservação dos serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo das águas, a manutenção da biodiversidade e a captura de carbono. Além disso, o estatuto deve buscar garantir a proteção das populações tradicionais que dependem dos recursos naturais do Pantanal para sua subsistência, como os ribeirinhos, pescadores e comunidades indígenas. Um dos grandes desafios do novo estatuto é justamente equilibrar a necessidade de desenvolvimento econômico com a preservação ambiental. O Pantanal é uma região onde a pecuária extensiva, o turismo ecológico e a pesca são atividades econômicas tradicionais e se mostram mais sustentáveis do que as atividades de uso intensivo. Assim, a legislação precisa oferecer mecanismos que incentivem práticas sustentáveis, que protejam o meio ambiente sem comprometer a economia local. Em outras palavras, deve-se observar o tripé de sustentabilidade: dimensões econômica, social e ambiental; o que traz um grande desafio para esta legislação. Outro ponto crítico é a necessidade de considerar a variabilidade climática e as mudanças no regime hidrológico, que são essenciais para a manutenção das características do Pantanal. As alterações no ciclo das águas, devido ao desmatamento em regiões próximas ou à construção de hidrelétricas nos rios que alimentam o Pantanal, podem ter impactos devastadores para todo o ecossistema. O estatuto, portanto, deve prever medidas de monitoramento e gestão hídrica que garantam a integridade do Pantanal em longo prazo. O Estatuto do Pantanal representa um avanço significativo na proteção desse ambiente único, uma exceção. No entanto, sua eficácia dependerá da capacidade de implementação de políticas públicas que respeitem as especificidades do Pantanal como um complexo ecossistema de transição, diferente da Mata Atlântica. A legislação deve ser flexível o suficiente para se adaptar às dinâmicas naturais do Pantanal, ao mesmo tempo em que assegura o desenvolvimento sustentável e a proteção dos direitos das comunidades locais. Portanto, o sucesso do novo estatuto será medido pela sua capacidade de conciliar preservação e conservação ambiental com a realidade socioeconômica da região, garantindo que o Pantanal continue a desempenhar seu papel vital no equilíbrio ecológico. Fonte: Isto É Negócios 

A pandemia da Covid-19 e a relação homem-natureza
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A pandemia da Covid-19 e a relação homem-natureza

Todos nós, seres humanos, fazemos parte e dependemos totalmente dessa rede de vida que proporciona a comida que nos alimentamos, filtra a água que bebemos e nos fornece o ar que respiramos. A natureza é tão importante para o nosso bem-estar físico e mental quanto para a capacidade da sociedade de lidar com as mudanças globais e ameaças à saúde. Mas, o Homo Sapiens, que existe há milhares de anos com todas as suas características modernas, nos últimos 300 anos demonstrou sua força sobre a natureza causando impactos de grande magnitude. Essas pressões antropogênicas comprometeram significativamente a capacidade funcional dos sistemas planetários de suporte à vida e também facilitaram o surgimento e a disseminação sem precedentes de muitas doenças infecciosas. Temos como exemplos as mudanças climáticas, modificações no uso da terra, intensificação de sistemas agrícolas, transferência de espécies silvestres, produção industrial animal e destruição da biodiversidade, dentre outras ações humanas, que estão levando a uma maior propensão a doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1940, por ano, uma nova doença infecciosa em média aparece. Presenciamos, portanto, surtos de vírus como Ebola, Nilo Ocidental, Nipah e Sars-Cov2, intimamente ligados à degradação ambiental induzida pelo homem. Sabemos que a relação homem-natureza no mundo globalizado já alcança décadas de insustentabilidade, ao equiparar o bem-estar ao lucro, ignorar as fronteiras ecológicas e aprofundar disparidades sociais. Agora que estamos diante de um contexto global de gravíssimos efeitos sanitários e socioeconômicos causados por essa pandemia somos levados a pensar na ideia metafórica da crise como oportunidade. Em um cenário de pós-pandemia otimista passaremos a adotar um paradigma de desenvolvimento qualitativo que transcenda concepções meramente monetárias de bem-estar, com maior inclusão dos indicadores sociais e ambientais no tripé da sustentabilidade. Podemos vislumbrar um modelo de desenvolvimento econômico que vincule de modo mais estreito o bem-estar humano com a natureza. Um paradigma que considere seriamente as capacidades e os limites dos ecossistemas e que reconheça e valorize a ampla gama de serviços que a natureza nos oferece. Durante esse período de isolamento social, testemunhamos com alegria o reaparecimento de espécies selvagens nos centros urbanos. O nosso confinamento se traduziu em uma verdadeira pausa para a natureza, vimos o ar mais limpo, o ruído bem menos intenso, a redução na extração dos recursos naturais e na emissão de gases de efeito estufa. Que essa percepção possa levar a ampliação da consciência sobre nossa conexão íntima com a natureza e alimentar vontades políticas para ações mais rápidas e eficazes em direção a um mundo melhor. Profa. Dra. Lívia Gaigher Bosio Campello Programa de Mestrado em Direitos Humanos da UFMS.

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Pandemia do Coronavírus no mês do Consumidor: Como solucionar conflitos relacionados ao direito do consumidor?

O mês do consumidor está sendo marcado pela pandemia do Covid-19 (Coronavírus). Essa situação envolve, além de outros setores e direitos, os do direito do consumidor. A pandemia é considerada uma situação extraordinária e por isso, uma série de dispositivos do Código de Defesa e Proteção do Consumidor podem ser utilizados para garantir que os consumidores não saiam prejudicados. Os destaques dos direitos do consumidor afetados estão relacionados, por exemplo, com o cancelamento de viagens aéreas, marítimas, terrestres e hotéis, abuso de preços (álcool gel e máscaras), limite de compra de produtos, isso sem falar em mensalidades de planos de saúde, escolas/universidades, academias etc. Nesse período, em que há projeções de rápida propagação da Covid-19, os cancelamentos de viagens tem sido práticas comuns por muitas companhias aéreas internacionais e nacionais (no sentido de evitar voos vazios que trarão prejuízos) estão ao mesmo tempo flexibilizando suas políticas para alteração ou cancelamento de voos.  Até porque nesse caso extraordinário, cobrar taxas e multas pelo cancelamento constitui prática abusiva, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Além disso a Medida Provisória n° 925, de 18 de março de 2020, publicada em 19 de março de 2020, com força de lei, veio reforçar algumas medidas emergenciais para a aviação civil brasileira como: (1) o consumidor que pedir o reembolso integral do valor do bilhete aéreo receberá seu dinheiro em até doze meses; (2) as companhias aéreas deverão prestar assistência material aos passageiros que necessitarem, proporcionando, por exemplo, hotel e alimentação para aqueles consumidores que estiverem presos fora do Brasil; (3) só terão direito à isenção das multas contratuais aqueles consumidores que aceitarem créditos para a utilização no prazo de até doze meses, contados da data do voo contratado. Nos casos de hospedagens ou pacotes o consumidor deverá procurar o fornecedor (virtual ou físico) da viagem e negociar o adiamento, a remarcação ou mesmo o cancelamento do pacote e da viagem. Cabe ao fornecedor oferecer aos consumidores alternativas possíveis, como: adiamento, crédito para utilização futura para o mesmo destino ou outro, bem como reembolso do pagamento, sem multas ou penalidades. Caso não tenha sucesso nesta negociação, o consumidor pode se socorrer do PROCON ou mesmo do poder Judiciário e processar a operadora e/ou a agência de turismo, pois essas respondem solidariamente por serviços mal (ou não) prestados ao consumidor e que integram os pacotes, como hotéis, empresas aéreas, agências de turismo e receptoras. Note-se que estas relações são típicas relações de consumo e, portanto, submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor. No caso de aumento abusivo de preços, a tutela do consumidor é constitucionalmente garantida, conforme art. 170, V, da Constituição Federal. O art. 39, X, do CDC estabelece que é prática abusiva elevar, sem justa causa, os preços dos produtos e serviços. Para que fique configurada a prática abusiva exige-se que o fornecedor promova o aumento de preço, de modo excessivo, dissociado de eventual aumento de custos ou aproveitando-se de situação de calamidade (o que infelizmente tem sido constatado). Observada a prática de preços abusivos, o consumidor deve procurar o Procon, por intermédio de seus diversos canais (https://www.procon.sp.gov.br/BloqueioTelef/; do aplicativo Procon-SP disponível para celulares) ou também no www.consumidor.gov.br. Quanto ao limite de compra, o fornecedor não pode limitar a quantidade de produtos e serviços fornecidos, sem que exista uma justa causa, conforme dispõe o artigo 39 do CDC: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. No caso da Covid-19, o distribuidor pode limitar a compra de produtos por consumidor, visto que há uma justa causa, sem prejuízo dos direitos e deveres nas relações de consumo. Nesse sentido, foi editada a Nota Técnica CNDD-FC nº 01/2020, do Comitê de Defesa dos Direitos Fundamentais do Consumidor, em 17/03/2020, deliberando pela limitação da quantidade do produto ou serviço nas vendas feitas no comércio, com a finalidade de garantir o abastecimento do mercado e atender as necessidades dos consumidores, em situação de grande procura, e enquanto durar a pandemia. Quanto aos usuários que possuem Planos de Saúde que apresentem sintomas da Covid-19 deverão ser atendidos pelas operadoras na medida da modalidade contratada, ou seja, ambulatorial ou hospitalar. Quanto a exames para detecção da Covid-19, no organismo, deverá ser seguida a Resolução Normativa 453, de 12/03/2020, da Agência Nacional de Saúde (ANS), que incluiu o exame “SARS-CoV-2 (CORONAVÍRUS – COVID-19) – pesquisa por RT – PCR (com diretriz de utilização) no rol de procedimentos obrigatórios, devendo esse exame ser realizado quando o paciente se enquadrar na definição de caso suspeito ou provável de doença pela Covid-19, definido pelo Ministério da Saúde, e houver indicação médica e conforme o protocolo e as diretrizes definidas pelo referido Ministério. Por fim, quanto as mensalidades de serviços não prestados, como ensino em escolas e universidades, academias, cursos de línguas estrangeiras, clubes, entre outros, o ideal é buscar uma negociação com prorrogação nos contratos firmados. Note-se, todavia, que não se pode manter a cobrança durante o período que durar a interrupção da prestação de serviço. Todavia, se o serviço for prestado de forma regular e satisfatoriamente de outra forma – como nas instituições de ensino no formato EAD, por exemplo – não estará caraterizada e falta de prestação de serviço e, portanto, será devida a mensalidade. De todo modo, há casos e casos, vez que podem existir alunos sem condições de treinamento ou aparelhos necessários (smartphones e/ou computadores) que permitam a adequada prestação do serviço. Portanto, o ideal é tentar uma composição amigável diretamente com as empresas prestadoras de serviços e em caso de recusa de uma solução amigável consultar os órgãos de proteção do consumidor, o ministério público e um escritório ou advogado especializado no Direito de Proteção do Consumidor.   Dr. Vladmir Oliveira da Silveira – sócio da AUS. Fonte: OAB-SP Informações detalhadas em: http://www.oabsp.org.br/noticias/cartilha_consumidor_-pdf.pdf

Novas regras para pós-graduação
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Novas regras para pós-graduação

Novo marco regulatório para o funcionamento dos cursos de pós-graduação stricto sensu. Em 14 de setembro de 2017, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (“CES/CNE”), subordinada ao Ministério da Educação (“MEC”), aprovou por unanimidade o parecer 462/17 (“parecer”), com o objeto de alterar as normas de funcionamento dos cursos de pós-graduação stricto sensu no país. Homologado pelo MEC em 28 de novembro de 2017, referido parecer abrange os seguintes aspectos: (i) caracterização dos cursos de mestrado e doutorado quanto às modalidades acadêmico, profissional, à distância, formas de organização e de interação interinstitucional e associativa; (ii) formas de oferta e requisitos de ingresso independentes para mestrado e doutorado; (iii) divulgação de critérios e procedimentos relativos a todo o processo de avaliação, inclusive o de escolha de comitês de área; (iv) abertura e encerramento de cursos de mestrado e doutorado; (v) diplomação abrangente às instituições ofertantes; e (vi) organização e normas de recursos. Assim, a partir desse novo marco regulatório, os programas institucionais de pós-graduação stricto sensu constituir-se-ão de “cursos de mestrado e doutorado regulares, pertencentes ao Sistema Nacional de Pós-Graduação, avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), submetidos à deliberação pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) e homologados pelo Ministro da Educação” (artigo 1°). Também serão aceitas que “instituições credenciadas para a oferta de cursos à distância poderão propor programas de mestrado e doutorado nesta modalidade” (artigo 3°). Ato contínuo, dependerão de avaliação prévia da CAPES, a autorização, o reconhecimento e a renovação do reconhecimento de cursos de mestrado e doutorado (artigo 4°), que também será responsável por tornar pública as decisões por ela tomadas, no que diz respeito à autorização, o reconhecimento e à renovação do reconhecimento dos cursos supra citados. A partir da homologação pelo MEC do parecer favorável da CES/CNE, as instituições poderão iniciar suas atividades dos cursos de mestrado e de doutorado. Com a homologação do parecer, cursos de pós-graduação stricto sensu já em funcionamento que não obtiverem a nota mínima requerida pela CAPES poderão ser desativados (artigo 6°), após deliberação da CES/CNE e homologação do MEC. Nesse sentido, a partir da data de divulgação da nota de avaliação pela CAPES, a instituição em questão deverá “suspender as inscrições e matrículas para novos ingressantes”. Por outro lado, os alunos já matriculados nestas instituições “desativadas” somente poderão emitir diplomas para seus alunos “em data anterior a data da divulgação da nota de avaliação”. O artigo 9° do referido parecer autoriza o oferecimento de cursos de pós-graduação stricto sensu de forma associativa ou interinstitucional, desde que aprovado pela CAPES, incluindo-se a possibilidade de associação com instituições estrangeiras. Permite-se, nesse sentido, “a emissão de diplomas (…) por uma ou mais associações que integram a associação”. Por fim, o parecer permite, de modo excepcional, a concessão de título de doutor mediante defesa direta de tese aos cursos de doutorados regulares, desde que referidos cursos regulares sejam na mesma área de conhecimento da tese apresentada. Vladmir Oliveira da Silveira 

A responsabilidade objetiva das instituições de ensino superior cujo curso não tenha sido reconhecido pelo Ministério da Educação
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A responsabilidade objetiva das instituições de ensino superior cujo curso não tenha sido reconhecido pelo Ministério da Educação

Estudantes sentiram-se frustrados, porquanto após anos de estudos e dedicação, foram privados da emissão de seus respectivos diplomas pelo não reconhecimento do curso realizado pelo Ministério da Educação. Desde 1990, com a revogação da lei 8.039 – sendo substituída pela atual lei 9.870, de 23 de novembro de 1999 que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares1 – não há que se falar em teto para o reajuste de mensalidades escolares. Na legislação anterior, nos termos do artigo 1°, os reajustes das mensalidades das escolas particulares eram calculados de acordo com o percentual de reajuste mínimo mensal dos salários em geral. A nova legislação, contudo, deixa ao arbítrio da instituição de ensino particular o percentual que lhe convier a título de reajuste; porém, (i) deve ter como base a última parcela da anuidade – ou no caso de cursos semestrais, da última parcela da semestralidade – fixada no ano anterior e (ii) deve ter justa causa, sob pena de ser enquadrado na categoria de prática abusiva. Ressalte-se que, nos termos da legislação vigente, a instituição de ensino não pode reajustar o valor da anuidade durante o ano letivo. A esse respeito, é claro o artigo 1°, caput da lei 9.870/99 que dispõe que “o valor das anuidades ou das semestralidades escolares (…) será contratado no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável” combinado com o § 5° que prescreve que “o valor total, anual ou semestral, (…) terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam o valor total anual ou semestral”2. Por tal razão, ao elaborar o orçamento financeiro, o estabelecimento de ensino deve projetar as despesas necessárias para cobrir os custos incorridos pela instituição de ensino no ano seguinte, custos estes que abrangem salário de professores, aprimoramento no processo didático-pedagógico, luz, gás, aluguel, água, impostos, inflação, dentre outros. De fato, a elaboração do orçamento financeiro pelo estabelecimento de ensino é obrigatória e seu modelo é auditado por ato do Poder Executivo. Assim, o reajuste na anuidade ou semestralidade deve observar o trinômio necessidade-adequação-legalidade. A necessidade contempla as hipóteses acima mencionadas, isto é, existência de variação de custos a título de pessoal e de custeio, bem como aprimoramentos no processo didático-pedagógico (artigo 1°, § 3°). Por sua vez, a adequação consubstancia-se na apresentação da referida planilha nos termos de portaria emanada pelo Ministério da Educação (artigo 1°, § 4°). Por fim, a legalidade se traduz no cumprimento do disposto no artigo 2° que prescreve que “o estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor da anualidade ou da semestralidade e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino”. De toda forma, os reajustes podem variar de acordo com a região ou o local onde se encontra o estabelecimento de ensino. Desta forma, não é possível aplicar um mesmo percentual a todas as instituições de ensino privadas. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor sugere que “caso o consumidor se depare com um aumento que considere abusivo, ele pode solicitar à escola a justificativa detalhada de tal reajuste”3. Caso a justificativa não seja satisfatória, é possível entrar com uma ação no Juizado Especial Cível ou na Justiça Comum. Isso porque, consoante artigo 39, inciso XIII do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas (…) aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido”. A esse respeito, em sede do RE 641.005, atualmente em trâmite perante o STF, a Procuradoria Geral da República assim dispõe sobre a incidência do CDC em contratos de prestação de serviços educacionais: “as normas protetivas do CDC desempenham relevante papel social em relação aos contratos de prestação de serviços educacionais: a uma, por regularem serviço de utilidade pública prestado por entidades particulares mediante autorização ou delegação do poder público; a duas, por garantirem equilíbrio numa relação consumerista marcadamente desigual, já que firmada mediante contrato de adesão, cujo conteúdo é preestabelecido pela instituição de ensino, por vezes impondo sanções pedagógicas como meio coercitivo de pagamento”. Assim, os pais ou responsáveis pelos alunos, não obstante a inexistência de teto para reajustes das mensalidades, podem procurar seus direitos em órgãos de defesa do consumidor como, por exemplo, o Procon, ou, ainda, por intermédio de escritório de advocacia especializado nesta área. __________ 1 A referida lei, ao tratar do valor das anuidades ou das semestralidades escolares engloba tanto os ensinos pré-escolar, fundamental, médio, como também o ensino superior. 2 De fato, nos termos do artigo 1°, § 6°, “será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a um ano a conta da data de sua fixação, salvo quando expressamente prevista em lei”. 3 Em caso de negativa por parte da instituição de ensino privada, ver julgado da 7° Câmara Civil do Tribunal de Alçada Minas Gerais, na Ação Civil Pública n. 183.285.1: “Mensalidade escolar. Aumento abusivo. Aprovação. Prova. Não exibição pelo estabelecimento de ensino. Cerceamento de defesa. Ementa: “Configura cerceamento do direito de defesa o indeferimento do pedido de exibição de documentos relativos ao planejamento econômico financeiro da instituição de ensino, visando à apuração do aumento abusivo de mensalidade escolar, conforme determinação do art. 1º, caput, da lei 8.170/91, prerrogativa também assegurada pelo art. 6º, VIII, da lei 8.078/90, que amplia ao consumidor a defesa de seus interesses”. Vladmir Oliveira da Silveira 

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A pós-graduação stricto sensu profissional em Direito no Brasil

Em 23 de março de 2017, a CAPES editou a portaria 389/17, dispondo sobre o mestrado e o doutorado profissionais no âmbito da pós-graduação stricto sensu no Brasil. Vale dizer, no entanto, que a modalidade profissional de pós-graduação já era prevista no parecer 977/65, de 3 de dezembro de 1965, de relatoria de Newton Sucupira, ao lado dos cursos acadêmicos (tanto mestrado quanto doutorado), mas que nunca havia sido formalmente criado. O que difere, grosso modo, uma da outra, isto é, da pós-graduação acadêmica da profissional é que, ao passo que a primeira é voltada para a academia (formação de pesquisadores), a segunda destina-se a formar profissionais que sejam capazes de atuar em suas áreas de conhecimento (mercado de trabalho), a fim de que sejam aplicados, na prática, os resultados de seus estudos. Assim, busca-se aproximar ou equilibrar às necessidades contemporâneas com os propósitos da academia, muito embora já existam mestrados acadêmicos com objetivos similares aos atuais profissionais. Em outras palavras, o foco da modalidade profissional, na perspectiva da coordenação, é romper com o modelo de uma universidade preocupada apenas com pesquisas, “no sentido de resguardar o aperfeiçoamento do profissional que deseja aprofundar ainda na universidade seu conhecimento obtido na graduação, uma vez que o mercado de trabalho cada vez mais exige profissionais que consigam solucionar problemas do cotidiano que impliquem na união de esforços práticos e teóricos”1. Desde modo, imagina-se que a modalidade profissional viria suprir essa lacuna e adicionaria valor social não somente ao mercado de trabalho, mas à comunidade em geral, “focando a profissionalização e gestão das mais diversas formas de atividades sociais, empresariais, tecnológicas e até culturais”, desde que dentro do rigor estabelecidos para a modalidade acadêmica, de modo a garantir programas de relevância no país. O art. 4° da portaria 389/17 determina que “a CAPES terá o prazo de 180 dias para regulamentar e disciplinar, por meio de portaria, a oferta, a avaliação e o acompanhamento dos programas de mestrado e doutorado profissional”. No entanto, até a presente data, referido artigo ainda não foi regulamentado. Leia aqui a íntegra do parecer 977/65. Leia aqui a íntegra da portaria 389/17. ___________________ 1 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; PINTO, Felipe Chiarello de Souza. Reflexões Necessárias sobre o Mestrado Profissional. Revista Brasileira de Pós-Graduação. V. 2, N. 4, p. 38-47, jul./2005. Vladmir Oliveira da Silveira   

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Alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (“ECA”) passa a exigir autorização judicial para menores de 16 anos viajarem desacompanhados dos pais ou do responsável legal

Em 16 de março de 2019, o artigo 83 do ECA foi alterado por meio da Lei n. 13.812 e, com essa alteração, nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá viajar (por qualquer meio de transporte – carro, ônibus, avião, trem, etc.) para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou de seu responsável legal sem autorização judicial. A pedido dos pais ou do responsável legal, é possível a concessão da referida autorização por um período de 2 (dois) anos. Tal autorização judicial, contudo, não é exigida nos seguintes casos: (i) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 (dezesseis) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana; ou (ii) se a criança ou o adolescente menor de 16 (dezesseis) anos estiver acompanhada de (a) ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco ou (b) de pessoa maior, expressamente autorizado pelo pai, mãe ou responsável. A antiga redação deste artigo atingia somente os menores de 12 (doze) anos. Nestes casos, a autorização judicial deve ser obtida no fórum da comarca onde os pais ou o responsável legal residem (ou nas varas de infância e da juventude, onde houver). Por outro lado, na hipótese de viagem ao exterior, permanece a regra vigente desde a promulgação do ECA, em 1990, isto é, a autorização é dispensável se a criança ou o adolescente: (i) estiver acompanhado de ambos os pais ou o responsável legal; ou (ii) viajar na companhia de um dos pais, munido de autorização expressa do outro por meio de documento com firma reconhecida. Apesar da nova burocracia, visa-se a prevenção de desaparecimentos, sequestros ou outros crimes conexos envolvendo crianças e adolescentes menores de 16 (dezesseis) anos. Em caso de descumprimento da nova legislação, as empresas que permitirem viagens sem a autorização judicial podem sofrer sanções administrativas e até serem compelidas ao pagamento de multas. Por Vladmir Oliveira da Silveira

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