Fonte: El Pais María Neira, diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da OMS, explica como os vírus do ebola, Sars e HIV saltaram dos animais para os humanos depois da destruição maciça de florestas tropicais A médica espanhola María Neira, diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma que a pandemia do coronavírus é mais uma prova da perigosa relação entre os vírus e as pressões do ser humano sobre o meio ambiente. Do seu escritório em Genebra, na Suíça, Neira explica como os vírus do ebola, sars e HIV, entre outros, saltaram de animais para seres humanos depois da destruição de florestas tropicais. Neira (Astúrias, 59 anos) insiste na necessidade de que Governos e indivíduos compreendam que a mudança climática é um problema de saúde pública, não uma questão de ecologia ou ativismo. A cientista, mestra em saúde pública e nutrição, propõe uma revolução saudável, positiva e verde, que tenha como pilar fundamental a rápida transição na direção de energias limpas. Segundo ela, países que decidirem trocar o petróleo e o carvão pela energia solar e eólica acelerarão seu crescimento e reduzirão a pobreza e a desigualdade. Pergunta. No prólogo do livro Viral, de Juan Fueyo, você adverte sobre a perigosa relação entre os vírus e as pressões do ser humano sobre o meio ambiente, sobretudo o desmatamento. No que consiste essa relação? Como ela funciona? Resposta. As práticas de desmatamento intenso, feitas sempre em nome da economia de curto prazo, têm efeitos devastadores para o futuro da humanidade. Ao derrubar a floresta para substituí-la por agricultura intensiva e poluente, os animais que vivem nesses lugares nos quais o homem não havia entrado sofrem profundas transformações. Aparecem espécies com as que não estávamos em contato e que podem nos transmitir doenças. Passar de uma floresta tropical para um cultivo, com adubos e pesticidas que nunca tinham entrado nesse ecossistema, altera o tipo de vetores capazes de transmitir os vírus. O desmatamento é uma forma de derrubar essa barreira ambiental entre espécies que nos protege de forma natural. P. Pode contar um caso específico? R. Um exemplo claro deste fenômeno é o vírus do ebola, que saltou dos morcegos frugívoros das florestas da África ocidental para os humanos e desatou o contágio. O grave é que aconteceu o mesmo com a aids e a sars. Cerca de 70% dos últimos surtos epidêmicos que sofremos tem sua origem no desmatamento e nessa ruptura violenta com os ecossistemas e suas espécies. P. O que se pode fazer para prevenir isto? R. Temos que entender que é necessário estar em equilíbrio com o meio ambiente, que é o que nos dá todos os recursos para sobreviver. É preciso aproveitá-los, mas não podemos destruir e poluir tudo o que tocamos, como está acontecendo neste momento. O oceano, por exemplo, está nos dando de comer. Milhões de pessoas se alimentam com as reservas de pesca, mas estamos enchendo o mar com milhões de toneladas de plástico. Estamos indo contra nós mesmos. É importante que as pessoas entendam que a mudança climática não é uma questão de ecologia ou ativismo, mas de saúde pública. P. Quer dizer que o aquecimento global não só derrete as geleiras, ou deixa os ursos polares em perigo, como também produz muitas mortes de seres humanos? R. Claro. Erramos na narrativa a respeito da mudança climática nestes últimos anos. Acho que se falou muito de como o nível do mar está subindo ou como a camada de ozônio é afetada, mas faltou explicarmos como tudo isso no fundo tem um impacto tremendo sobre a nossa saúde. Às vezes, de forma arrogante, dizemos que é preciso salvar o planeta. Mas não. Temos que salvar a nós mesmos. O planeta nós o estamos destruindo, mas ele vai encontrar uma maneira de sobreviver; os humanos, não. P. Em uma recente conferência, você dizia que na luta contra o meio ambienteos seres humanos sempre perdem. Por quê? R. Se destruirmos a fonte da qual vivemos, os prejudicados seremos nós mesmos. Vemos com cada vez mais frequência como o ser humano é muito vulnerável frente aos fenômenos meteorológicos que a mudança climática está desatando, como tsunamis ou furacões. Há alguns dias houve uma nevasca muito dura na Espanha e nos paralisou imediatamente. No final, quem sairá perdendo seremos nós. P. Quais são as medidas mais urgentes que a OMS recomenda para evitar a deterioração do meio ambiente e da saúde pública? R. Uma muito importante é o conhecimento. Temos que ganhar mais adeptos para a causa. O objetivo é que muita gente entenda a relação entre mudança climática e saúde; que entenda, por exemplo, que seus pulmões, seu sistema cardiovascular e seu cérebro estão em risco por causa da poluição. Segundo, temos que fazer a transição para energias limpas e renováveis o mais rapidamente possível. Os combustíveis fósseis estão nos matando. Há sete milhões de mortes prematuras causadas pela poluição atmosférica que poderiam ser reduzidas deixando de gerar eletricidade com carvão e petróleo. Acelerar essa transição para as energias limpas vai gerar uma economia que nos ajudará a sair desta crise que o coronavírus desatou. P. Como é a relação entre energias limpas e desenvolvimento econômico? R. Um dólar investido em energias renováveis vai gerar quatro vezes mais trabalho que um dólar investido em energias fósseis. Acredito que, se os países mais pobres começarem a investir em energia solar e eólica, eles podem acelerar seu crescimento. Esta pode ser uma estratégia contra a desigualdade que se agravou com a pandemia. Outra recomendação importante é o planejamento das cidades pensando na saúde do ser humano. É preciso tirar os carros dos centros urbanos, ter um sistema de transporte público sustentável e limpo, e sobretudo não ter cidades superpopulosas como as de agora, que são inabitáveis. P. Como a densidade populacional das cidades afeta a transmissão dos vírus? R. Em 20 anos, 70% da população estará vivendo em centros urbanos. Será preciso tornar essa situação saudável e equitativa. Podemos ter